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Há duas semanas, Bauru recebe a visita do renomado cirurgião Frank Duerksen, no Instituto Lauro de Sousa Lima. F. Duerksen foi professor de cirurgia da Universidade de Manitoba e chefe do serviço de Cirurgia da Mão do Departamento de Ortopedia do Health Science Center, em Winnipeg, Canadá. Também é consultor em Reabilitação em hanseníase, da ALM International e dedicou sua vida ao combate da hanseníase.

Filho de imigrantes alemães, Dr. Frank nasceu no Paraguai, mas passou quase toda a sua vida na Argentina, em Buenos Aires. Lá fez os estudos regulares e a Faculdade de Medicina, com treinamento em cirurgia, e em seguida foi para o Canadá, onde vive até hoje.

Aos 65 anos, lamentavelmente, Dr. Frank precisou deixar de operar, por ter descoberto que estava com Parkinson. Sentiu muito por isso, mas a sua inegável contribuição para a cirurgia reabilitadora da hanseníase e todo o conhecimento acumulado durante os anos de combate à doença deram-lhe autoridade para estar à frente da elaboração da segunda edição do livro “Cirurgia reparadora e reabilitação em hanseníase”, juntamente com o médico Marcos Virmond.
O Social Bauru obteve dele uma entrevista exclusiva e foi possível constatar o afinco e sensibilidade com que Dr. Frank dedicou sua vida para amenizar sofrimentos e deformidades.

SB: Como se deu a sua vinda para o Instituto Lauro de Souza Lima?
Dr. Frank:
“No Canadá, recebi um convite do Dr. Paul Brand para ir a Carville, Lousiana (EUA), um centro de pesquisa e treinamento em reabilitação da hanseníase. Paul Brand foi um renomado ortopedista e cirurgião inglês, que dedicou sua vida ao combate da hanseníase e o primeiro médico a reconhecer que a hanseníase não causa o apodrecimento dos tecidos, mas sim a perda da percepção de dor aos portadores Ele já tinha formado centros de realibitação na Índia e na África e sua intenção era abranger também a América Latina, uma vez que as tentativas feitas com cirurgiões americanos não haviam dado certo, pois eles não se adaptavam à cultura latina.

Aceitei o convite, porque queria ser cirurgião de mão. Tinha trabalhado por quatro meses no Centro de Referência de Hanseníase do Paraguai e havia conhecido de perto o que é a hanseníase. Na prática, pude observar que esta doença não podia ser descrita em apenas três páginas de um compêndio de medicina, como havia visto em minha faculdade. Isso se confirmou quando tive oportunidade de ir ao Paraguai e conhecer a realidade, vi que é uma “doença de três volumes” e ainda falta informação.E vi as mãos… Quantas mãos tinha para corrigir… Então, graças a essa oportunidade de ir ao Paraguai, é que eu aceitei o convite de Paul Brand, senão não teria aceitado… Vê como a vida é dirigida?”

frank-duerksen3SB: Os maiores índices de hanseníase ainda são da Índia?
Dr. Frank:
“A Índia tem um grande índice de hanseníase, mas o Brasil tem porcentagens um pouco maiores do que na Índia.”

SB: As pessoas não têm muita noção de como se adquire a hanseníase. Os estudos são conclusivos a esse respeito? Já se sabe como a contaminação se dá?
Dr. Frank:
“Noventa e cinco por cento da população mundial é imune à hanseníase, não pegam a doença. Mas não se sabe com certeza como a hanseníase se transmite. O consenso geral é que a contaminação se dá por meio das vias aéreas, como na tuberculose. O bacilo passa do pulmão ao sangue e têm que ‘morar’ nos nervos. Então, pelo sangue, fixa-se nos nervos e aí cria uma série de patologias que destrói os nervos e ficam as paralisias. O período de incubação do bacilo é longo, pode ser de até dez anos.”

SB: A doença descrita como lepra na Bíblia é a hanseníase?
DR. Frank:
“Não necessariamente. Na escrita original da Bíblia existem sete doenças da pele que foram traduzidas, todas elas, por lepra. A hanseníase existia – e pela descrição das situações, provavelmente os doentes que Jesus curou eram hansenianos – mas havia vitiligo, doenças causadas por fungos, etc.; toda doença que mudava a cor da pele era descrita como lepra. Nessa época, as pessoas eram separadas da família e nunca mais via os parentes.”

SB: Existem muitas coisas novas, de quando o senhor começou para hoje, em termos de técnica? Houve grandes avanços ou os procedimentos que existem já são consagrados há tempos e já se alcançou o que há de melhor no que se refere à cirurgia na hanseníase?
DR. Frank:
“Realmente, não houve grandes mudanças, a não ser por pequenas modificações nas técnicas existentes. A grande mudança foi a medicação. Em 1949, nos EUA, foi testada uma sulfona, que mostrou que a multiplicação do bacilo parava. Isso se espalhou para o mundo, mas essa medicação era só bacteriostática: o bacilo deixa de se multiplicar, mas o remédio não o matava. Em 1982, a Organização Mundial da Saúde implantou um esquema de tratamento com três drogas e uma delas mata o bacilo. O paciente que toma esta medicação, em uma ou duas semanas, tem todos os bacilos mortos, não transmite mais a doença. Desta forma, não é necessário isolar o paciente. Com isso, os pacientes começaram a sair do anonimato, apareceram. Porque, antes, se escondiam, só apareciam quando já estavam com deformidades, quando não era mais possível esconder que estavam com hanseníase. Com o tratamento e a cura, as pessoas começaram a procurar os centros de reabilitação. Entretanto, hoje, no Brasil, cerca de 50% dos pacientes ainda não foram diagnosticados, pois os programas são “sedentários”: o médico fica sentado em seu consultório, esperando que o paciente venha. No Paraguai, os programas são “ativos”, os médicos dos centros de saúde saem em busca dos pacientes que faltam às consultas marcadas, vão até as suas casas. Fiz isso por quatro anos: dois dias da semana eram dedicados a ir até o paciente, em sua casa, quando ele não comparecia à consulta agendada no ambulatório.”

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SB: O senhor está no Brasil para dar seguimento ao projeto da segunda edição do livro sobre hanseníase. Conte-nos um pouquinho a esse respeito.
DR. Frank:
“Hoje existem poucos cirurgiões com experiência. A maioria dos que foram treinados conosco aqui, está aposentada ou já morreu. Estão se treinando novos cirurgiões em Porto Velho. Lá existe um programa do Ministério que dá um curso a cada ano, treinando cirurgiões do país todo. Mas, para o futuro, será muito importante ter um livro-texto que explique as cirurgias em detalhes, para que um cirurgião com formação possa só olhar e fazer a cirurgia. Desde o começo, Paul Brand me dizia que era preciso treinar um médico jovem em cirurgia de hanseníase e não permitir que ele fizesse ortopedia geral, pois assim deixaria a hanseníase. Foi a única coisa que eu não obedeci, que eu não consegui. O Dr. Opromola tinha o conceito de que não é possível dedicar um tempo para treinar um cirurgião a como suturar um tendão, como pegar um tendão. Entendia que era preciso admitir um cirurgião já formado e só explicar o que é necessário em hanseníase, pois já tem o treinamento de cirurgião e pode fazer a cirurgia. Por isso o livro é importante. Há casos relatados de cirurgiões que operaram graças ao nosso livro antigo (1ª edição). Comparando-se o primeiro livro com esse que está sendo elaborado agora, posso dizer que o padrão é completamente diferente. Vai ser um livro grande, grande demais… Os capítulos estão bem completos.”

SB: E a hanseníase tem cura?
Dr. Frank:
“A hanseníase continua ainda com estigma, ele não sumiu. Para uma pessoa, ser diagnosticada com hanseníase é sempre um choque, uma coisa terrível. Sorte que realmente há cura e podemos dar a tranquilidade ao paciente de que as coisas irão sair bem. E se, por má sorte, os nervos forem lesados, existem cirurgias para isso, que restauram muito bem a função da mão. Não é coisa pequena o que melhora… melhora cem por cento.E não há idade limite para que a cirurgia possa ser feita. Lembro-me de um caso que ilustra bem, tanto a questão da idade quanto o efeito da cirurgia para a pessoa lesada. Eu estava operando aqui, no Instituto e um colega do Paraná ligou, dizendo que queria falar imediatamente comigo. Tive que sair da cirurgia para atender e ele se identificou como obstetra, cujo pai, de 83 anos, tinha hanseníase. Disse-me que as duas mãos do pai estavam paralisadas e que ele não queria morrer e encontrar Jesus com as deformidades; ele queria ‘ir’ sem as deformidades. Perguntou-me se aceitaria fazer a cirurgia para ele. Então, depois de discutir o caso com a equipe daqui, operamos o pai de nosso colega médico. Os resultados não foram ‘maravilhosos’, pois ele já estava com muita contratura, mas melhorou muito. A felicidade desse homem, quando foi embora, foi incrível [emociona-se]. Tive que deixar a cirurgia aos 65 anos, por Parkinson, e senti muito. Por três anos tive depressão e o livro me tirou dela. Estou trabalhando aproximadamente oito horas por dia, escrevendo os capítulos. E escrevo em detalhes o que deve ser feito. Isso me dá uma satisfação muito grande.”

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