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Ele foi promotor, professor e já escreveu 50 livros. É proprietário da faculdade que foi eleita pela OAB como uma das cinco melhores do país, possui 350 unidades de cursos preparatórios – foi o pioneiro na área – e representou o Brasil na ONU inúmeras vezes. Mas, atualmente, Damásio de Jesus está mais interessado em outra profissão: a de avô. E foi assim, acompanhado de quatro netas, que o promotor recebeu o Social Bauru em sua casa, para mais de uma hora de entrevista, na qual relembrou as dificuldades do início da carreira: “Minha vida foi intensa e complicada, porque eu trabalhei como promotor de tarde e lecionava de manhã e de noite”. Mesmo com a correria, somente há dois anos Damásio só resolveu descansar, por causa de um tombo que sofreu. Hoje, dedica seu tempo à família, à leitura, gosta de navegar pela internet, assistir filmes (principalmente os do Tarzan) e escrever livros – 10 já estão prontos para serem publicados. Confira a entrevista completa:

Cursar Direito sempre foi um sonho de infância?
Damásio:
Não, nem sempre eu tive esse sonho, mas aconteceu.

E por que optou em ser promotor e não juiz?
Damásio:
Eu estudei muito, até passar na prova, mas tinha planos de ser juiz depois… Eu precisava do exercício de três anos [em atividade jurídica, para ser juiz], mas fiquei 26 anos na Promotoria… Eu costumo dizer que eu me apaixonei pelo magistério, mas me casei com a promotoria. Vinte e seis anos! Eu me realizei sendo promotor. Fui promotor em Bariri, Lençóis e Bauru. Em Bauru eu fiquei seis anos e depois fui para São Paulo.

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E o senhor nunca saiu de Bauru?
Damásio:
Eu já morei em vários lugares, mas não morei, assim, definitivamente, fora de Bauru. Já morei em Itu, São Paulo, Bariri, Lençóis Paulista e Pirajuí. Fiquei aqui porque tinha a faculdade e, depois, por ser promotor de Bauru e por lecionar aqui. Eu me formei aqui e lecionava na ITE (Instituição Toledo de Ensino). Dei aulas lá durante 12 anos. Mas hoje a minha profissão é ser avô!

Gosta daqui? O que Bauru tem de especial?
Damásio:
Eu gosto muito daqui! Quando era promotor, consultei algumas pessoas sobre ir para São Paulo, pois essa seria a continuação da minha carreira: me mudar para lá. E estas pessoas com quem conversei me disseram o que eu já sabia, na verdade: São Paulo é uma cidade do bem e do mal. Por que é do bem? Porque é uma cidade de progresso; nenhum outro lugar vai te dar mais oportunidade do que lá, dependendo da sua profissão. É uma das cinco cidades maiores do mundo! Lá é muito mais fácil para você crescer que aqui ou em qualquer outro lugar. Porém, para morar, São Paulo não é um bom lugar. Já, naquela época, não era bom. Então eu resolvi trabalhar em São Paulo e morar em Bauru. Durante muito tempo, eu ia de ônibus toda quarta-feira para São Paulo e voltava para Bauru, na sexta. Em 1977, eu passei a ir e voltar de avião. Fiz isso por muito tempo, até dois anos atrás. Eu tive um acidente e acabei caindo… foi por isso que parei e agora quero aproveitar os meus netos.
Nathália (neta): Em Bauru tem muita coisa que ele gosta de fazer. Gosta de sair para comer. É o rei do restaurante! E a gente ama Bauru. Acho inacreditável como o povo de Bauru ama Bauru e não larga Bauru. Eu não penso em voltar, mas é óbvio que vou voltar. A gente fala que Bauru é um boomerang. Bauruense é boomerang, porque volta. Todos os meus amigos voltaram. Meu avô teve oportunidade de morar em qualquer lugar, ele representava o Brasil na ONU, em Viena, podia ficar lá… Uma vez eu estava brava e perguntei a ele: “Por que Bauru?”. Ele: “Não sei, mas você também vem para cá todo final de semana” (risos). Então Bauru é uma coisa meio mística.

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E está curtindo esta nova fase, de acompanhar os netos?
Damásio:
Sim, estou aproveitando… Mas a infância de hoje é muito diferente. Eles são muito rápidos e muito espertos. Eu escrevi uma crônica… eu não sou o autor da história… mas eu escrevi a crônica que fala sobre um neto que chegou ao seu avô e falou: “Vô, quantos anos o senhor tem?” E o avô, ao invés de dizer quantos anos tinha, começou a falar como era a vida quando ele era criança, contou sobre a juventude… Aí o neto diz: “Nossa vô, o senhor deve ter uns 200 anos!” (risos). Hoje em dia é tudo muito diferente mesmo. Hoje, comparativamente, eles sabem muito mais do que a gente. Dão um verdadeiro “baile” em nós! É computador… etc… A cabeça dos velhos já não comporta tanta coisa como a deles.

Como surgiu o magistério na vida do senhor?
Damásio:
Foi quando eu morava em Lençóis Paulista, eu já era promotor….
Nathália (neta): Mas antes o senhor já mostrava que queria ser professor, né vô? Eu lembro que o senhor contava que na faculdade era o nerd da turma e todo mundo queria o seu caderno e, por causa disso, este caderno virou a apostila do cursinho preparatório, já que todos procuravam essa apostila. Isso foi o incentivo que faltava para começar a dar aulas, né?
Damásio: Isso! Foi assim!… Quando os alunos se formavam, eles vinham me procurar para dar dicas sobre a carreira e provas para estudar. Aí eu percebi que havia interesse dos alunos em um curso preparatório… Mesmo assim, nunca larguei a promotoria. Sempre segui com os dois.
Nathália: É por isso que, agora, a gente está aproveitando o avô! (risos)

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E na época do magistério teve algum aluno que marcou a vida do senhor?
Damásio:
Lembro-me do aluno e não do nome… Um aluno de Assis, que foi muito marcante para mim. Ele disse: “Professor, o senhor tem que se resguardar!”. Essa frase foi muito marcante para mim porque, por onde eu passava, as pessoas vinham me perguntar coisas… Dia e noite… Naquele tempo a gente tinha pique… Hoje eu não tenho mais… Naquele tempo eu não tinha descanso!

Como surgiu a escola do senhor?
Damásio:
Eu era promotor em Bauru, em 1970. Eu era professor na faculdade, os alunos quando se formavam me procuraram para saber o que tinha que estudar. Então eu ia anotando na minha caderneta o que tinha que estudar. Depois de algum tempo eu procurava na caderneta e já dava a resposta, dava um aconselhamento. Daí para [criar um] cursinho em Bauru foi um tico. Eu tive o curso aqui por cinco anos; depois, mudei-o para São Paulo. Foi o primeiro curso do Brasil! No começo, eu tinha que tirar dinheiro do que ganhava com a promotoria para pagar os professores. Mas eu tinha fé que ia dar certo: era bom professor de [Direito] Penal e colocando bons professores… sendo o primeiro curso… Quem faz primeiro, faz melhor. Ou faz errado. (risos)
Nathália (neta): Tem uma história que eu gosto muito, de quando ele foi para São Paulo. Em São é tudo um tiro no escuro, né? Ninguém conhece ninguém. No primeiro dia, quando ele abriu o curso, apareceram dois alunos. Desses dois alunos, um não pagou e o outro abandonou o curso, né, vô? (risos)

Damásio: É. Tem a história da escada de madeira. Era um prédio que estava caindo aos pedaços ali na Liberdade…
Nathália (neta): Que hoje é nosso… A nossa parte administrativa está lá…
Damásio: Primeiro dia de aula… Tinha uma escada que rangia… E eu fiquei lá em cima, junto com a secretária, esperando os alunos. Dois rangidos só… (risos). Eu nunca mais esqueci! Depois de três anos, eu tinha 700 alunos.
Nathália (neta): É que as faculdades de Direito não são tão boas como deveriam ser… Os concursos exigem, por exemplo, Contabilidade, essas coisas… Naquela época, o povo não tinha e eles pediam. Como é que vai fazer? Ninguém sabe tudo! Então, hoje, o meu avô dá palestras, ele adora escrever… e ele continua escrevendo os livros… Atualmente ele está na fase de escritor e avô…
Damásio: Eu costumo dizer que é preciso ter saúde, porque os netos maiores conheceram o avô e o professor. As pequenas conhecem o avô, mas não conhecem o professor. Então é preciso esperar, né? Elas precisam esperar e eu também. (risos)

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Que livro o senhor está escrevendo e quantos estão publicados?
Damásio:
Eu tenho 10 para serem publicados. Há uma Coleção na Saraiva, que se chama Temas de Direito Criminal, que abrange Penal e Processos, na qual eu tenho três edições, três volumes. E agora eu mandei um novo. Tem um prontinho também, que é só tirar umas histórias que eu coloquei… Depois que eu levei o tombo, eu dei uma parada, então tenho que tirar umas coisas aí, como por exemplo, crimes famosos que aconteceram em São Paulo… Não dá para publicar mais agora… Isso é muito bom em cima do crime, mas, passados os anos…

A Ilha da Fantasia, propriedade que o senhor tinha em Arealva, foi a realização de um sonho?
Damásio:
Sim, com certeza! Eu comprei esta propriedade em 1975, quando eu mudei para São Paulo, com o cursinho… Eu gostava muito daquilo! Eu desfrutei demais! Foi um sonho muito bonito. Não tenho mais esse rancho há dois anos; permutei com essa casa, porque os netos cresceram e eu quis aproveitar a família aqui em Bauru.

E quem batizou a propriedade como Ilha da Fantasia?
Damásio:
Ah, este rancho teve vários nomes! É que, cada vez que eu brigava com a esposa, eu mudava o nome. Foi Recanto do Cirineu, Recanto de Deus… o último foi Ilha da Fantasia e esse foi o mais conhecido.

Hoje o senhor acha que realizou tudo o que sonhava na juventude?
Damásio:
Sim, com certeza, eu realizei tudo! Mas creio que não vou parar, não vou parar de jeito nenhum! Agora, quando eu olho, vejo o que já fiz… Você não precisa crescer tanto… só um pouquinho… Eu olho para elas [netas] e vejo que elas não precisam fazer tanto, só um pouquinho… Não precisam ser um foguete! Tudo o que eu fiz foi para a minha família… Na vida, não precisamos fazer tanto, só um pouco a mais… Acredito que fiz muito… Para os meus pais, que eram da colheita de algodão… Fiz demais… por eles! Tem uma história de que, num dia de muito calor, minha mãe parou de trabalhar na colheita, chamou meu pai e disse: “Antônio, o nosso filho não vai ser homem do Sol!”. Quando eu soube disso, eu criei uma responsabilidade muito grande. Eles me incentivaram muito a estudar. O primeiro livro que a minha mãe me deu foi Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Li o livro inteiro e depois passei a comprar os outros dele. Depois, criei o hábito de ir à Biblioteca, que ficava na Rua Quatro de Abril, em Marília. Se você passasse lá – qualquer dia – ia me ver. Isso foi o que eles colocaram na minha cabeça: disciplina. E eu nunca mais parei de ler. Nem que seja o jornal, mas eu tenho que ler alguma coisa. Tenho a necessidade de estar acompanhando tudo. Sou muito favorável às novidades, ao progresso das tecnologias… Sou doido por isso!
Nathália (neta): Meu avô é muito moderno! Ele tem Facebook, Twitter, Instragam. Tem mais coisa que eu!

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Aproveitamos que você está aqui, então, para nos dizer no que o seu avô a influenciou, Nathália?
Nathália (neta):
Influenciou muito. Com 18 anos eu resolvi fazer Direito, mas era a rainha do “não vou fazer Direito”, porque todo mundo havia feito… Minha mãe, meu avô… Mas resolvi fazer e conheci outro lado dele, o de professor. Ele ajudou a me criar, mas sua influência na minha profissão é a mais nítida: sou advogada e ele também. Como é grande a responsabilidade para mim… O que eu sigo dele é o valor do trabalho, da importância de sempre estudar… Ele me passou que eu tenho que voar alto, sempre sendo humilde, mas deixou o patamar lá em cima… As pessoas pintam meu avô como uma pessoa muito séria. Quando eu fazia faculdade e ele era o diretor, as pessoas falavam: “você já viu o seu avô sem terno? Seu avô usa pijama tipo shorts?”. As pessoas não conhecem esse lado dele. Ele gosta muito de Bauru, ele é o rei do Alameda [Quality Center]. Outra coisa: ele adora filmes… Vingadores, Hulk e Shrek… Eu peguei gosto com ele (risos).
Damásio: Gosto do Tarzan, de faroeste… Tem uma história do Tarzan que fala que ele não ia morrer, mas mostra também que “não morrer” é ruim, que você vira um alien. Imagina?

E falta realizar algo?
Damásio:
Não. O que falta é acompanhar a vida dos meus netos… A primeira é a Nathália, que quer ser procuradora federal. Poder acompanhá-la é muito bom! Eu sempre conto a história de um aviador inglês, que estava levantando voo em uma cidade pequena. Um dia, ele percebeu que havia um animal atrás dele e pensou: “Esse animal pode me derrubar, basta que ele se enganche em alguma coisa, para ele derrubar este avião”. Foi aí que ele se lembrou de uma lição que havia aprendido na Segunda Guerra Mundial: “Bicho pequeno tem medo de altura”. Ele, então, elevou o avião, deixou o animal bem quieto e desceu o avião, calmamente. Por isso, eu sempre lembro que “Bicho pequeno tem medo de altura” e que nós não podemos ser bichos pequenos e termos medo de altura.

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