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Julia Gottschalk, estudante da Unesp de Bauru, encarou uma viagem inesquecível. Durante 16 dias, a jovem participou da ‘Marcha da Vida’, organizada desde 2009 pelo Fundo Comunitário em São Paulo.

O percurso da viagem passa por diferentes cenários, trabalhando o período que antecede a Segunda Guerra Mundial, o seu desenvolvimento e as consequências. São apresentadas histórias da comunidade judaica, visitas a Campos de concentração e extermínio, passagem pela memória Polonesa até a construção do Nazismo na Alemanha e o atual contexto da memória histórica alemã.

Julia escolheu fazer essa viagem para saber mais sobre o seu passado – judeu, seu bisavô sofreu as consequências do preconceito e viu sua vida ficar de ponta-cabeça. Nesse período em que esteve lá, a jovem de Bauru pode encarar de frente o que aconteceu com os seus familiares e questiona: será que tudo realmente acabou?

O Social Bauru conversou com a estudante para saber detalhes sobre essa experiência incrível. Confira o bate-papo:

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Qual o roteiro que você fez?
Julia: Bom, fiz uma viagem que chama’ Marcha da Vida Universitário’, é um projeto do Fundo Comunitário Judaico, então o roteiro é pré-definido por eles. Pousamos em Varsóvia e, de lá, visitamos ainda na Polônia: Tycocin, Treblinka, Lublin (cidades). Dentro da Polônia, visitamos os Campos de Concentração: Treblinka, Majdanek e Auschwitz-Birkenau, terminando a parte da Polônia em Cracóvia. De lá, fomos para a Alemanha, onde visitamos monumentos e museus em homenagem à vítimas do Holocausto. Lá, trabalhamos muito a memória e a forma como os alemães lidam com ela. A viagem termina em Israel, com a atualidade da comunidade judaica e a visita a projetos sociais.

E por que decidiu visitar os campos de concentração?
Julia: Bom, eu decidi realizar a ‘Marcha da Vida’, mas não exatamente visitar campos de concentração. Essa é apenas uma parte dessa viagem. Sempre me interessei em estudar o Holocausto, já que a minha família sofreu impactos indiretos, antes mesmo dos judeus serem enviados a câmaras de gás. Meu bisavô era judeu na Alemanha. Em 1930, ele assumiu o cargo de Juiz na cidade em que morava, isso depois de estudar muito e passar no concurso para tal. Em 1933, com a subida de Hitler ao poder, todos os judeus ou meio judeus (filhos de pai ou mãe judeu, mas não ambos), foram forçados a deixar cargos públicos. Meu bisavô era um deles. A partir daí, ele tentou trabalhar como advogado, mas logo não conseguiu mais exercer a profissão com a proibição de prestação de serviço por judeus. Isso tudo descobrimos posteriormente em cartas, após o falecimento do meu avô, filho de quem relato a história. Não sabemos ao certo como e quando meu bisavô chegou ao Brasil com meu avô e seus outros filhos, mas sabemos que durante um período tentava fugir da Alemanha, já que não poderia trabalhar e consequentemente não conseguia sustentar sua família. Por volta de 1940, ele já estava por aqui, e por isso não chegou a ir para nenhum campo de concentração, mas sabemos que muitos primos dele não tiveram a mesma sorte e morreram em Terezín Stadt, gueto/Campo na República Tcheca. Minha família nunca gostou de comentar sobre o assunto, meu avô sequer gostava de admitir que era judeu. Foi só quando ele faleceu que tivemos acesso a diversos materiais sobre o assunto, cartas pessoais, oficiais e etc. Acho isso um erro grave, precisamos conhecer nosso passado, precisamos conhecer nossa história. Então essa também foi um pouco da minha busca, conhecer melhor minha história, minha identidade e tentar entender um pouco o motivo para tamanha atrocidade, para tamanho crime contra a humanidade que foi o Nazismo.
Bom essa é apenas uma das minhas motivações, meu interesse pessoal e familiar no assunto. Queria conhecer um pouco da história também, sentir de perto e adquirir mais conhecimento. Pretendia também fotografar o percurso, posteriormente usar o material para meu trabalho de conclusão de curso.

O que sentiu ao estar ali? Foi uma emoção forte?
Julia: Cada local que visitamos proporcionou sensações diferentes. Não visitamos apenas Campos de Concentração, mas diversos locais relacionados à memória e história da Shoá (Holocausto). Acho que foi mais uma construção de emoções. Treblinka, por exemplo, foi um dos Campos mais mortais. Apesar de pequeno, era extremamente sistematizado e eficiente em cumprir seu propósito. Em poucos anos, aniquilou quase totalmente o Gueto de Varsóvia. Esse campo, como a maioria, foi construído entra florestas fechadas e, apesar de hoje não existir mais nada de Treblinka, a sensação de estar cercado por aquelas árvores é um misto de sentimentos sufocantes e deslumbrantes.
Não é doido pensar que, apesar de toda a maldade do ser humano, todo o terror e morte que aquele local viu, a natureza em volta consegue estar a cada ano mais forte e mais bela? Viagens minhas… (risos) Majdanek já é um campo extremamente conservado, com câmaras de gás intactas, é sufocante, mas de uma forma completamente diferente.
É difícil descrever os sentimentos em cada local ou em todos. Acho que é um misto de tristeza, indignação. E um eterno questionamento em como foi possível? Qual o motivo disso?

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Já vi relatos de pessoas que sentiram como se fosse um tapa na cara… foi mais ou menos assim?
Julia: Não descreveria assim, acho que para mim foi um misto de emoções. Por estar viajando em grupo e com guias e professores extremamente entendidos dos assuntos, sentávamos sempre para discutir os lugares, sentimentos, histórias e memórias, e isso ajudou bastante durante a viagem. Acho que o sentimento que fica é que, muitas vezes, achamos que o genocídio de inocentes ficou no passamos mas, na realidade, vemos isso todos os dias com diversas pessoas, religiões, opção sexual, etnia, e o que fazemos para mudar a situação? Talvez tanto quanto as pessoas faziam na época da Shoá…

Você sente que hoje em dias as pessoas não estão tão preocupadas com o passado? E qual a reação contar para outras pessoas que visitou este lugar?
Julia: Bom, sem conhecer o passado, que futuro temos? Mas creio que não seja tanto algo de não conhecer o passado e mais de não perceber que o ser humano repete as mesmas atrocidades com o passar do tempo. Claro, existem doidos que negam que a Shoá aconteceu – sim, acredite. Mas o negócio é olhar para trás, aprender com isso e tentar melhorar no futuro e, isso sim, as pessoas muitas vezes não se preocupam. Quantos casos de haitianos agredidos diariamente em São Paulo? Casos de homofobia em que as pessoas são espancadas no meio da rua! Para mim, isso mostra que a humanidade não aprendeu quase nada com o passado.

Indica esta visita para outras pessoas?
Julia: Com certeza, mas precisa ter estômago, principalmente, em Auschwitz, onde existem salas com pilhas de cabelos de pessoas que foram mortas, objetos pessoais e muito mais. É triste, é pesado, mas como já falei, conhecer o passado é essencial para construir o futuro. Não esquecer para não repetir jamais.

E é fácil visitar estes locais? O que tem que fazer?
Julia: O quão fácil é visitar qualquer lugar internacional! (risos). Hoje todos são museus, monumentos e etc. Muitos cobram uma entrada, como qualquer museu. Para quem for judeu e se interessar sobre o assunto, pode se inscrever no projeto da Marcha da Vida no site: http://fundocomunitario.org.br/marcha/
Vale a pena!

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Tem algum lugar que você tenha ficado mais chocada durante esta visita?
Julia: Foram tantos lugares diferentes, tantos sentimentos diferentes, que ficam difícil definir. Auschwitz-Birkenau é sempre um baque pela quantidade de objetos, desde cabelos até objetos pessoais. Ver aquilo tudo causa uma tristeza incomparável, teve gente do grupo que precisou se retirar de tão mal que passou.
Uma sala que me chocou muito também, ainda dentro de Auschwitz, foi uma exposição em que um artista coletou desenhos de crianças que ficaram em campos de concentrações e os reproduziu na parede. É uma das coisas que torna ainda mais real e palpável esse sofrimento. Outro lugar que dá uma ideia a dimensão do que foi a Shoá é em Majdanek, um monumento que reúne cinzas de crematórios de Majdanek e outros campos. É uma pilha gigantesca, você consegue ver até mesmo pedaços de ossos nela.

Confira mais fotos no link do Universitag: universitag.wordpress.com

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