Eu era ainda adolescente, morava na quadra 17 da rua Saint Martin, na área central da cidade. Naquela época, era comum que os garotos, quando não estavam na escola ou fazendo seus afazeres escolares, brincassem pelas ruas ou nas casas dos amigos vizinhos.

Quase sempre eu estava na casa do grande amigo de infância José Neto Rodrigues Ruiz, hoje um respeitado engenheiro. Também ia sempre à casa do Olmes Berriel Filho; do Vinícius Tavares, do ex-vereador Luis Carlos Valle, do Walter Gobbi, Olegário Machado, dos irmãos Bertonha, dos irmãos Rondon. Era um grande prazer estar junto com os Melo Oliveira (Dona Francisca, Adolfo, Julio, a simpática e bela Lucia Helena).

Era muito comum o futebol no quintal de minha casa, que tinha um terreno enorme. Era inevitável que a bola caísse nos quintais vizinhos. Nas primeiras vezes eles nos devolviam com certa naturalidade. Com a insistência dos atacantes errarem por muito o gol, já não tínhamos coragem de bater palmas pedindo novo obséquio. Assim, não nos restava pular sorrateiramente o muro da casa do ex-prefeito Nilson Costa, cujo quintal possuía um belo pomar; ou do professor Elias D’Anunnzziata, uma verdadeira chácara. Para não perder a viagem, aproveitávamos e trazíamos também o lanche para o final do jogo. Via de regra, esta molecagem se desdobrava com estremecimento das “relações diplomáticas”, com ameaças dos vizinhos de contarem aos nossos pais. Mas, eram molecagens “sadias”, inocentes, pois não havia maldade nestas traquinagens.

Em meados de 1970, estávamos eufóricos com a extraordinária façanha da Seleção Brasileira, que acabara de conquistar o tricampeonato mundial de futebol no México, com Pelé, Tostão, Rivelino, Gerson, Jairzinho, Clodoaldo… O time jogava por música. O Brasil todo, mesmo que em período da ditadura militar, vivia momentos de euforia, que perdurou por um bom tempo.

Estava eu na casa do José Neto naquele dia 15 de novembro de 1970, feriado da Proclamação da República, por volta do meio dia, quando começaram a chegar notícias, no início meio desencontradas, sobre o encontro do corpo de uma garotinha de apenas 9 anos. E foi de forma acidental. Uma pessoa que pretendia alugar um imóvel, ao vistoriar a casa, se deparou com uma cena chocante, um corpinho despido e inerte no quintal da residência.

Algumas horas depois, ficou confirmado que o corpo localizado a menos de 200 metros de minha casa, no quintal de uma casa desabitada, na quadra 8 da rua professor José Ranieri, era de Mara Lúcia Vieira. Foi estuprada e morta brutalmente. Havia muita movimentação de diversos carros de polícia (fusquinhas e veraneios). Mara Lúcia morava a cerca de 500 metros dali.

Foi uma comoção geral, não só daquele bairro, mas de toda a cidade. Mara Lúcia havia desaparecido desde o dia 11 de novembro e registrado como um possível rapto. Daí em diante começou-se uma intensa divulgação pela mídia e trabalho policial para se tentar encontrar a garotinha. Havia forte esperança de achá-la com vida.

Era apenas uma menininha linda, inocente, uma criança. Pergunta-se uns aos outros, indignados, como isto poderia ter acontecido? Quem foi o monstro que teve coragem e frieza de tamanha barbárie?

A partir de então, surgiram muitas versões para o crime e, em consequência de uma investigação cabulosa, não se chegou ao autor verdadeiro do crime. Me lembro que, à época, não se comentava outra coisa no bairro, e em toda a nossa Bauru. Havia uma forte comoção popular.

O estupro e assassinato de Mara Lúcia se tornaram insolúveis e repercutiram nacionalmente, mesmo se naquela época não existiam as redes de televisão. O crime teve tanta repercussão que trouxe a Bauru o famoso repórter policial da TV Tupi, Saulo Gomes, uma espécie de Marcelo Rezende atual, que prometia uma solução ao caso.

Conforme consta dos registros da polícia, Mara Lúcia havia sido vista por um garotinho de 13 anos, no dia do seu desaparecimento, caminhando ao lado de um homem branco, com bigode, bem trajado, aparentando ter entre 30 a 35 anos. Este fato foi suficiente para se elaborar um retrato falado. Mas, este retrato devia ser de um fantasma, pois nunca o personagem foi identificado.

Havia quem dissesse que, por ser filho de uma tradicional família bauruense, a polícia não demonstrava interesse em apontá-lo. Enfim, passados quase 46 anos da tragédia, nada ficou resolvido. Se por falta de provas ou vontade de quem tinha a competência para investigar, ninguém, talvez nunca se saberá. Bauru homenageou Mara Lúcia com a denominação de uma rua, localizada entre a rua Bernardino de Campos e o leito do Rio Bauru.

Tantos outros estupros e mortes violentas e injustificáveis, não só em Bauru como em todo o país, voltam a chocar a nação, principalmente com os estupros coletivos de uma garota de 16 anos, no Rio de Janeiro, e de outra, com 17 anos, em Juruti, no Pará.

Durante o período entre a tragédia de Mara Lúcia Vieira e destas duas adolescentes do Rio e do Pará, milhares de outras meninas, jovens, adolescentes e mulheres sofreram da mesma violência. São ações inomináveis, inadmissíveis, incompreensíveis para serem realizadas por seres humanos! Assim como os raptos e estupros de jovens da África. Não consigo processar em minha mente como as pessoas têm coragem e insensibilidade para fazê-lo.

Vejo as manifestações por todo o país, cheias de indignações e pedindo providências do estado, o que também está correto. Mas, creio que além de leis mais rigorosas, ações específicas, respeito às mulheres e crianças, o problema maior dessa monstruosidade cometida diariamente por este Brasil afora está na secularização das pessoas.

Está faltando Deus na alma e vida de cada cidadão. A mensagem trazida por Jesus parece se perder no tempo. Jesus nos presenteou com a mensagem do amor, da misericórdia, do perdão. Não fazer ao outro senão aquilo que gostaria que fosse feito a si. Somente assim, através do amor mútuo e incondicional, poderemos ter novamente a paz verdadeira entre os homens, mulheres, jovens e crianças. Todos feitos à imagem e semelhança de Deus.

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