No Brasil, a cada 19 horas uma pessoa LGBT morre, além disso, é o país que mais mata trans no mundo.

Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), foram registrados 445 homicídios contra a população LGBT em 2017. De acordo com o levantamento, 2017 foi o ano com o maior número de assassinatos desde quando a pesquisa passou a ser feita pelo movimento.

Infelizmente, esse ainda é o quadro que a sociedade LGBT vive no Brasil atualmente, de violência e incerteza.

Para falar mais sobre isso, conversamos com alguns moradores de Bauru que contaram como foi o processo de assumir sua sexualidade e identidade de gênero, além dos preconceitos que ainda vivem!

Ser verdadeiro consigo mesmo

Daniel Gaiotto é bissexual e assumiu sua orientação sexual há três anos para os pais, ainda que já tivesse entrado em sincronia com sua sexualidade há cinco anos.

Ele conta como foi o processo de se assumir:

“O que mais mudou foi a relação com meus pais e como eles me enxergavam. Amigos e outras pessoas não reagiram com espanto nem surpresa”.

“No início foi um pouco complicado e difícil de eles me entenderem, mas atualmente consigo conversar normalmente com eles sobre isso, sobretudo com minha mãe. Aprendi que é um processo que ocorre em conjunto e que todos têm a aprender em situações parecidas com essa”.

“O processo foi um pouco complicado e bem angustiante, me lembro de considerar muito mais as potenciais consequências ruins do que as boas. Meu principal medo era permanecer em desamparo total, medo de ser excluído e pessoas mudarem seus comportamentos para comigo por causa de minha sexualidade”.

Ele ainda conta o porquê decidiu assumir sua orientação sexual.

“Ser verdadeiro comigo mesmo e com pessoas que fazem parte da minha vida sempre foi uma questão muito importante para mim. Sempre senti que tive que esconder muitas coisas em relação à minha identidade em prol da minha segurança e da minha saúde”.

“Num certo momento da minha vida eu percebi que essa angústia de tentar me esconder tanto me fazia adoecer muito mais do que se eu não me escondesse. Foi conversando com amigas, quando eu tinha por volta de 16 anos, que comecei a ser mais assertivo em relação à minha sexualidade e parei de sofrer por não corresponder às expectativas alheias”.

Sobre as mudanças na sua vida, Daniel comenta:

“Comecei a me enxergar muito mais como uma pessoa que sente, que se atrai e que ama e que não há motivo plausível para eu me sentir culpado por isso. Passei um bom tempo deprimido pensando que não conseguiria me expressar, mas depois que me assumi, percebi que há saídas.”

“Depois que me assumi, consegui identificar a posição em que eu estou e, a partir daí, encontrar caminhos para construir uma rede de apoio que atendesse, de fato, minhas demandas em relação à minha sexualidade”.

“Pude encontrar espaços onde eu consigo falar sobre meus sentimentos e pensamentos relativos a tudo isso e receber respostas que me ajudassem a me constituir como indivíduo de fato”.

Questionado sobre os preconceitos, ele revela:

“Passei poucas vezes por essas situações, mas que foram significativas. Sofri uma vez com uma professora, que me chamou de bicha quando eu estava usando uma tiara. Outras vezes tiveram a ver com concepções religiosas de mundo, como é de praxe”.

Sentimento de liberdade

I.A. é homossexual e conta que começou a se entender logo após os 16 anos, depois de muitos conflitos internos.

“Ainda nessa época confessei para um amigo gay a minha orientação, e ele me ajudou bastante a dar os primeiros passos, embora eu ainda não estivesse pronto para contar para todos, gosto de dizer que foi aí que me assumi para mim mesmo”.

“Aos poucos fui contando para pouquíssimos amigos, um círculo pequeno de pessoas em quem confiava e confio até hoje. Porém, há 5 anos, pouco antes de completar 18 anos, fui obrigado a contar a verdade para a minha família, que descobriram tudo por conta de uma mensagem no meu celular de um rapaz que eu estava ficando”.

“Após a minha família descobrir, me senti péssimo, era uma mistura de medo com invasão de privacidade, mas com o tempo percebi que era medo bobo. Minha família me deu um apoio que acreditei que jamais fosse receber. Nem tiveram problemas em conhecer o rapaz que eu estava ficando”.

“Então, depois que eles descobriram, eu não tive em nenhum problema em contar para o mundo. Foi maravilhoso não ter que fingir me interessar por mulheres. É claro que algumas pessoas se distanciaram, já era esperado, mas boa parte dos meus amigos continuou ao meu lado”.

Ele ainda explica o porquê de ter assumido sua sexualidade.

“Eu não aguentava mais mentir para mim mesmo, cheguei a um ponto da vida em que sentia viver a vida de outra pessoa. Pesquisei bastante sobre o assunto com conhecidos que haviam se assumido. Hoje percebo que foi mais uma luta interna do que externa em fazer os outros me aceitarem”.

Sobre os preconceitos e as mudanças em sua vida, I.A. conta:

“As pessoas ao saberem que eu sou gay mudaram o tratamento comigo. Principalmente homens. Acredito que seja pelo estereótipo ridículo que só porque o cara é gay ele vai querer qualquer homem”.

“Hoje, comecei a beijar homens sem peso na consciência. Livre”.

Independência emocional

Caio Lunardi é homossexual e aceitou a sua orientação sexual a partir dos 17 anos. Hoje, já faz sete anos.

Ele conta um pouco de como foi o processo de assumir sua sexualidade:

“As primeiras pessoas para quem contei sobre minha orientação sexual foram amigos, tinha muito medo de sofrer repressão em casa, e conhecendo os meus amigos, sabia que essa repressão não viria da maioria deles.

“Dois anos depois, com 19, contei para a minha irmã que me apoiou demais, e com 21, para o meu pai. Com ambos, a experiência de me assumir foi muito positiva”.

“É um exercício de independência emocional, quando você coloca na cabeça que ninguém tem nada a ver com isso além de você, percebe que quem agir com reprovação certamente não tem espaço útil na sua vida”.

“Alguns amigos homens heterossexuais que eu tinha na época se afastaram bastante de mim, alguns nunca mais vi. Muitos acham que não se pode ser amigo de um gay, abala muito a masculinidade deles, sabe?”.

Caio ainda conta como foi a relação com o seu pai após assumir.

“Sinto que contei para ele na hora certa, também. Mesmo tendo demorado um pouco mais e me angustiado por mais tempo, tendo que esconder como eu sou, me posicionava e enfrentava algumas falas e comportamentos dele que considerava homofóbicos, com muito apoio da minha irmã”.

“Então, foi um exercício que tive que fazer com ele na nossa convivência e que possibilitou um ambiente mais propício à uma reação positiva quando me assumi de fato”.

“Lembro que quando contei, ele me abraçou e falou que já imaginava e que não deixaria nunca de me amar e me apoiar. Fiquei muito grato pela atitude dele ter sido tão positiva”.

Ele conta também sobre como foi o processo de entender a si mesmo.

“É um processo muito amplo, que envolve muitos motivos, de perceber que simplesmente não dá para ter uma vida plena se escondendo nas sombras da heterossexualidade ‘de fachada’. Você perde muito com isso, perde muito da sua essência em tudo o que faz. Parece que está vivendo a vida de outra pessoa, agindo em função dos desejos de outras pessoas, e não é sujeito da sua própria ação. Não saber o que você mesmo deseja, o que realmente quer, é um perigo, pois é viver alienado de sua própria história”.

“Assumir para mim mesmo foi o mais difícil. É uma espécie de sentimento que você carrega com você desde a infância, mas nunca tive ferramentas para elaborar, pois nossa cultura e sociedade não nos dão muitas possibilidades para isso”.

Ser quem você é

Caique Mendes se considera gay e se assumiu com 18 anos, no começo de 2015, para os pais e irmã, mesmo que alguns amigos já sabiam desde 2012.

Ele explica porque resolveu assumir sua orientação sexual:

“Acho que vi que era o tempo. Queria contar muito para eles, porque não achava justo eu ter que me esconder em minha casa. Mas tinha muito medo de mudar a relação e ter a conversa, porque mesmo sabendo que eles não teriam uma reação tipo me bater ou expulsar de casa (que sei que acontece com vários LGBTs), foi um momento de ansiedade. Mas não esperava também que eles fossem ser tão incríveis. Então pensei ‘por que não?’. Reuni coragem e chamei eles pra conversar”.

Sobre o preconceito, ele conta algumas situações que já enfrentou:

“Uma vez estava com um cara no metrô e a gente estava abraçado, um cara empurrou a gente falando ‘aberrações’. Foi um momento mais tenso”.

“Várias outras vezes estava com amigos na rua e passava algum carro gritando ‘viados’. Perdi a conta de quantas vezes isso aconteceu. Fora as piadinhas dentro dos ciclos que sempre ouvi ao longo da minha vida, mas que hoje em dia não aceito”.

Autoconhecimento

Angela Carvalho é homossexual e se assumiu no aniversário de 24 anos, há 12 anos. Ela conta um pouco sobre o processo.

“Não foi fácil, principalmente pra mim, que vivi um relacionamento de muitos anos com homem. Eu não estava entendendo nada, e cada dia que eu não entendia nada, mais forte ficava esse sentimento, sensação, vontade. Não percebi diferença nas pessoas, pois graças a Deus só tive amigos muito queridos perto de mim, e uma família maravilhosa!”.

“Amor, vontade… quando senti isso de verdade, não tive como segurar… no começo foi difícil pra mim, esse momento de autoconhecimento, se eu estava ficando louca, ou se era uma brincadeira legal… Mas quando percebi que era real, foi fácil!”.

“Sou completamente feliz, apaixonada, e não vivo sem minha mulher. Mudou tudo, eu sou uma ngela mais realizada, mais real, mais natural e mulher!”.

Equilíbrio para a vida

Davi Cabeça é bixessual e trans. Ele conta que assumiu sua sexualidade há quatro anos, contudo, o mais difícil foi aceitar a sua identidade de gênero, que aconteceu há apenas um ano e meio.

“Tiveram pessoas que me trataram diferente, principalmente na minha família, porque é muito difícil para eles, que são pessoas que não têm contato com as coisas que a gente vivencia na universidade, que vem de uma cidade pequena, e as ideias que a gente vive hoje no país ainda são assim”.

Ele ainda conta como foi se assumir:

“Quando eu descobri que era trans, era uma coisa muito latente que não tinha como não assumir; se eu não assumisse, eu ia viver e continuar infeliz”.

“Foi doloroso, mas hoje eu estou estável, e por meio de diálogo eu consegui o respeito da minha família. A gente foi conversando, rolou um esforço grande, mas o resultado está sendo bom”.

Davi finaliza contando o que mudou em sua vida:

“Isso me trouxe equilíbrio, estabilidade emocional e eu consegui correr atrás da independência financeira e da minha liberdade. Assumir é um passo muito importante!”.

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