As tranças afros vão muito além de um simples penteado. Para muitos negros, é uma das formas de expressar a identidade, o orgulho dos cabelos e a sua história. Aqui em Bauru, cada vez mais, trancistas afro-étnicos estão ganhando espaço para mostrar essa verdadeira arte e que hoje em dia é considerada uma tendência mundial.

Sejam as box braids, as twists ou as nagôs, as tranças afros permitem uma variedade de escolha de cores, materiais, tamanhos, grossuras, modelos e desenhos. Cada detalhe define a personalidade de quem as usa, desde os mais discretos até os mais ousados.

A técnica de trança mais conhecida é a nagô, penteado que envolve técnicas desenvolvidas pela primeira civilização negra, a civilização Nok.

Mas apesar de ser uma técnica antiga, a trançaria, como os profissionais chamam os salões afro-étnicos que fazem tranças, é uma novidade no país e aqui em Bauru. Estes locais são especializados em cabelos, tranças, apliques de cabelo orgânicos ou humano e cortes afros e étnicos.

Do sonho à realidade

Segundo a profissional Bruna Nekis Gonçalves Martins Borges, proprietária do salão Brunex Hair, Bauru é a cidade onde mais tem concentração de trancistas, depois de São Paulo e Rio de Janeiro no estado.

A trancista ainda conta que o mundo das tranças é vasto e é lindo ver que, a cada dia, mais profissionais estão se especializando nesse segmento.

“Eu creio que nós estamos fazendo a diferença para nossa população negra. Só sucesso!”, complementa Bruna.

Bruna começou a praticar trançados aos 12 anos, logo depois que sonhou que estava trançando cabelos. Desde então, ela se dedicou, treinou vários modos, técnicas e nunca mais parou. Hoje ela é umas das profissionais especializadas neste segmento em Bauru e região.

Bruna com a turma de aula em cabelos afro-étnicos (Imagem: acervo pessoal de Bruna)

Além de manter o salão, Bruna dá aulas e não mede esforços para passar os ensinamentos e conhecimentos. “Minha família toda e amigos trançam cabelo porque eu ensinei”, comenta a empresária.

A bauruense conta que pretende continuar trançando até ficar “bem velhinha” e que também está com projeto em desenvolvimento de aulas online. Ela pretende ensinar a arte e as técnicas de trançar cabelos afros, para mulheres e homens do Brasil inteiro.

Uma vida de dedicação e amor pelas tranças

Damaris Any da Silva Fernandes começou a fazer tranças desde criança, aos 13 anos, no próprio cabelo e no de seus familiares e amigos.

A bauruense e empresária conta que, no começo, não imaginava que um dia poderia se tornar uma profissional. Hoje, a sua relação com as tranças é de muita dedicação, paciência e amor.

Damaris trançando o cabelo e sua cliente Manoela (Imagem: acervo pessoal de Damaris)

Para Damaris, as tranças são sinônimo de seu trabalho e esforço. “Sou muito feliz, pois foi através das tranças que atingi minha independência financeira. Isso ajudou a criar meus filhos e me deu condições melhores de vida”, finaliza a proprietária do salão Damaris Tranças.

Empodere-se, mulher negra!

Assim como Damaris, Gabriela Vital, proprietária do salão Black Girls, tem o hábito de fazer tranças desde a infância. À medida que foi crescendo, ela percebeu que o seu “cabelão” natural não era muito aceito pelas pessoas. E, assim como muitas garotas, começou a fazer químicas e procedimentos para alisar o cabelo.

Foi a partir do convívio com pessoas que estavam em transição capilar que ela teve uma revelação. “Me dei conta de que não havia nada de errado com o meu cabelo ou com sua textura crespa. Foi quando eu me apeguei na beleza das tranças”, comenta Gabriela.

Gabi, como gosta de ser chamada, comenta que optou pelas tranças para iniciar a sua transição capilar. A profissional comenta que, tanto a beleza, quanto os benefícios que o penteado proporciona, como o crescimento mais acelerado do cabelo, foram as principais influências para a escolha.

“Hoje posso dizer que as tranças sempre foram de suma importância e sempre estiveram presentes na minha vida, pelo fato de ser uma cultura que carrego, mesmo sem saber, desde criança. Já passou de ser ‘modinha’, vai muito além”, completa a bauruense.

A profissional recomenda que, antes de começar a usar as tranças, é preciso fazer uma reflexão. “É ter consciência de estar representando a cultura de um povo que, até hoje, carrega os estigmas da escravidão, mas que ainda assim resiste”, comenta Gabi.

“Eu fico um nojo”

A baiana, Vanessa Anjos, está há dois anos em Bauru e conta que sempre gostou de mudar o visual. E afirma que ponto forte das tranças, é a sua versatilidade. “Seja pra trabalhar ou pra ir na balada, elas estão intactas. Combinam com tudo, seja solta ou penteada e dá pra você brincar com as cores e estilos”, comenta a modelo.

No início, Vanessa não saía de casa sem alisar os cabelos mas um dia sentiu falta do volume de suas madeixas cacheados. Depois desse episódio passou a usar cada vez mais o seu cabelo natural ou com tranças. “Para mim foi libertador e a aceitação foi bem tranquila”, comenta Vanessa.

Vanessa Anjos adepta as tranças afro (Imagem: Acervo pessoal de Vanessa)

Ela ainda completou dizendo que as tranças é uma maneira de se empoderar!

Há quatro anos ela voltou a se adaptar e a usar os cabelos naturais. Por isso, passou a entender, a lidar e a cuidar melhor das madeixas.

Ela tenta sempre incentivar outras garotas a fazerem o mesmo: “Como costumo dizer, cabelo crescer, importante é você se amar”.

Para ela, as tranças, assim como assumir os cabelos naturais, ajudam na sua autoestima. “Costumo falar que ‘fico um nojo’ quando tô de trança. Você fica se achando a mais, mais. O mulherão que todos respeitam”, finaliza a bauruense.

Não é só de moças, vivem as tranças

Felipe Sousa, estudante e participante ativo do movimento negro em Bauru, já usou tranças e relata que foi uma ótima experiência.

“Tranças têm um poder diferente do cabelo black. Ambos são formas de resistência e mostram o potencial do black power. Quebram os estereótipos dos que acham os nossos cabelos ‘ruins’”, comenta o bauruense.

Estudante de jornalismo e bauruense Felipe Sousa com cabelo black power (Imagem: Acervo pessoal de Felipe).

Felipe faz questão de andar com os cabelos naturais e ainda comenta que não importa o modo que o cabelo de um negro esteja, ele é incrível pois quebra os padrões estéticos.

O estudante ainda comenta que é preciso ter coragem de ir além do que já se sabe. Querer sempre mais, conhecer e valorizar a própria cultura, costumes e a história por trás de cada elemento.

“Além, claro, de lutar pela vida e liberdade. Os nossos cabelos são incríveis, sejam trançados, grandes, curtos, raspados e etc”, finaliza Felipe.

Um pouco da história das tranças

As tranças especificamente a nagô, é uma prática muito antiga do continente africano. Sendo um dos primeiros registros em uma escultura de argila com trancinhas, da civilização Nok, da Nigéria, registrada em aproximadamente 500 aC.

Essa tradição milenar, era transmitida de geração para geração ou por amigos próximos. Era, também, uma maneira de demonstrar a feição de quem fazia por quem recebia as tranças, criar laços.

As tranças tinham uma forte ligação com algo íntimo da pessoa, seja para demonstrar sua religião, parentesco, idade, etnia e até o seu estado de espírito.

As tranças africanas têm uma grande variedade de estilos, que vão desde as tradicionais linhas retas da raiz ao final dos fios, como as box braids, à combinação de linhas, curvas e espirais mais complexas como o estilo twist e as de raiz nagô.

As diferentes técnicas e estilos formam desenhos e penteados únicos. Pois mesmo que duas trancistas utilizem as mesmas técnicas, tranças serão totalmente diferentes uma da outra.

Os estilos de tranças tinham um poder enorme! Por exemplo, quando os rei e chefes de tribos eram capturados por rivais, tinham seus cabelos raspados. Isso acontecia com o único propósito de impacto psicológico nos líderes, o de ser desapropriado da própria cultura.

Os termos étnicos Nagôs, Angolas, Jejes e Fulas representavam identidades, criadas pelo tráfico de escravos, de grupos de tribos escravizadas em cada região da África. Ao qual o reconhecimentos e divisão de cada grupo era feito a partir do penteado.

A cultura negra no período da escravidão, foi proibida, muitas vezes, por suas danças, como a capoeira, a religião e as crenças. Assim, os penteados eram um ato de resistência.

Na antiguidade e, principalmente, no Egito as pessoas que usavam tranças eram consideradas ricas e de classe alta. Muitas mulheres já utilizavam pedaços de tecido e até fios de metais para complementar as tranças e deixá-las mais atrativas.

Tranças e o movimento Negro em Bauru

Para todos os entrevistados nesta matéria, as tranças incentivam os negros de Bauru a assumirem suas identidades!

Para Gabriela, através de trocas de experiências, feiras e eventos voltados para beleza negra, o movimento traz mais conscientização: “Acredito que nos unindo, a visibilidade se torna cada vez maior e todos crescem juntos”, finaliza.

Adepta às tranças, Vanessa conta que gosta de mudar o visual constantemente, mas sempre com o objetivo de motivar e incentivar outras meninas.

“Para as pretas se amarem com o cabelo solto ou com tranças é muito importante, solto por ser a identidade delas, mostrar que temos a segurança de ser versáteis, tanto nos tamanho, quanto nas cores, sem precisar de química nos cabelo pra isso”, comenta.

O estudante Felipe ainda alerta: “A apropriação cultural existe sim e é um assunto muito sério”, comenta o bauruense.

Isso ocorre, muitas vezes, pelo teor que as manifestações negras são usadas por pessoas de pele clara. Tomando como exemplo, as tranças em brancos são abordadas como o exótico bonito, mas, em negros, esta realidade pode não ser a mesma.

“Ninguém proíbe ninguém, o ideal é ter consciência!”, comenta Gabriela.

Damaris ainda acrescenta: “Tenho muitos clientes de pele branca que querem fazer, amam e respeitam”.

Ou seja, não tem problema usar tranças, com tanto que você conheça a cultura de onde vêm e a respeita acima de tudo!

E apesar de tantas vertentes que as tranças possuem de cores, formas, linhas, simbolismos e laços, elas vão além da beleza.

É uma resistência que deve ser valorizada, não simplesmente a ser considerado como uma estética.

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