É inquestionável a necessidade de preservação do patrimônio cultural de uma cidade, um país, um povo. Afinal, isso é  parte essencial da identidade de uma dada sociedade. A partir dos bens que compõem esse patrimônio, é possível reconstruir a história, entender tradições, usos e costumes de outros tempos, e muito mais.

Localizada a pouco mais de 300km de Bauru, a cidade de Amparo começou sua trajetória no século XIX e hoje é ponto turístico do Estado. Além de ser uma das seis estâncias hidrominerais do Circuito das Águas Paulista, Amparo também conta como um significativo patrimônio histórico, protegido pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT).

Partindo de uma demanda específica da Prefeitura Municipal de Amparo para a revisão do plano de tombamento do conjunto urbano da cidade, a presidente do Condephaat na época, profa. Dra. Ana Lanna, constituiu uma equipe formada por membros e conselheiros do órgão, dentre eles  o arquiteto Adalberto Retto Junior, professor da Faculdade de Arte e Arquitetura da Unesp (FAAC-Unesp) – Campus Bauru. A equipe em questão acabou por endossar e referendar a metodologia baseada no conceito de morfotipo, sugerida pelo prof. Retto Jr. 

Metodologia

Em lugar de pensar a revitalização do centro da cidade nos moldes tradicionais, a nova metodologia propõe uma abordagem totalmente diferente, a partir do conceito de morfotipo. Prevê que instrumentos reguladores e normativos do espaço urbano sejam encarados como oportunidades estratégicas para repensar as funções do novo centro, explorando outras relações entre o público, o privado e o social.

Explica o professor Retto Jr. que a lógica das ações dessa metodologia parte de três premissas baseadas na nova concepção de reabilitação dos espaços da cidade contemporânea:

I – A “cidade contemporânea” é aquela apta a ser reescrita em virtude dos sinais progressivamente inscritos, lidos e reinterpretados, e como um lugar revestido de sentido, de valor simbólico, político, social e econômico. Uma cidade na qual cada tentativa de projeto internalizado na paisagem estabelece um diálogo com as camadas de tempo da cidade, criando condições de viver, regenerar-se e absorver “novos significados” em uma constante operação de jogo de escalas (a arquitetônica, a urbana e a territorial);

II – O Centro afirma-se como laboratório e logo consolida uma nova dimensão estrutural ao pensamento projetual do urbanismo: marca a natureza do bem comum, entendido como extraordinário patrimônio de recursos que envolve componentes ecológicos, naturais, econômicos e culturais. Além de meio interpretativo para compreender a transformação contemporânea, o Centro permite ler a constante interação entre sedimentação histórica e práticas tradicionais;

III – Para planejar a cidade contemporânea é necessário operar no âmbito da prefiguração, no qual a leitura do fragmento pode efetivamente delinear hipóteses futuras de transformação no curto, médio e longo prazos, não só do ponto de vista físico, mas também do social e político.

“Entre os diversos dispositivos e operações projetuais, talvez a construção de cenários provoque mais momentos nos quais o projeto possa ser mais claro, com sequências coerentes e hipóteses futuras explícitas. Nesse sentido, com relação às questões de regeneração, dois novos aspectos emergem como balizadores da proposta: a inovação colocada no núcleo dos projetos, não só do ponto de vista construtivo/tecnológico, mas principalmente do ponto de vista social e jurídico-financeiro”, conclui o professor Retto Jr.

O professor ainda contou um pouco sobre sua experiência com Amparo e o desenvolvimento de sua metodologia para o tombamento da cidade. Confira:

– Como surgiu o seu envolvimento com Amparo e por que contribuir no tombamento da cidade?

A revisão do plano de tombamento da cidade de Amparo foi efetuada pela equipe designada pelo Condephaat (2016). Foi composta por mim, como conselheiro representante da Unesp, pela conselheira Ana Luiza Martins e pelos membros da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico de Amparo (UPPH) Valéria Rossi Domingos, Elisabete Mitiko Watanabe, Lara Melo Souza, José Antonio Chinelato Zagato e Sarita Genovez. 

Partindo de uma demanda específica da Prefeitura Municipal, a ação objetivava revisar o tombamento do conjunto da cidade, em função de questionamentos que transcendiam o estudo de caso específico e eram fundamentais dentro de uma complexa reflexão sobre a valorização do patrimônio das cidades pequenas, programas de modernização urbana e novos processos de desenvolvimento territorial. 

– E como é a proposta de tombamento de Amparo?

Trata-se de contribuição inovadora sob dois aspectos. No quadro dos estudos urbanísticos, partiu-se da categoria morfotipo, utilizada como unidade analítica e propositiva, como forma de valorizar a inserção histórica de cada elemento na paisagem e, ao mesmo tempo, administrar a dinâmica das transformações de longa duração. Sua natureza polifuncional e de múltiplas escalas seria a base para se “construir a cidade sobre a cidade” situando, no cerne da investigação, a urgência de se repensar o patrimônio, como elemento duradouro de uma cidade.

No âmbito do Condephaat, como frisou a vice-presidente do órgão,  arquiteta Valéria Rossi, ao compor uma equipe mista com conselheiros ligados à universidade e membros do próprio órgão, desenvolveu-se um método de trabalho até então inédito na própria instituição e que se aproxima de uma “câmara técnica”. 

– Sua metodologia foi referendada pelo Condephaat. Como foi isso?

O fato de o Condephaat ter chancelado tal metodologia não significa que as indagações tenham cessado, pois as diversas perspectivas de estudo e de intervenção não parecem estar prontas para serem resolvidas de forma completa. Como descrito acima, a noção de morfotipo urbano possui variantes que demonstram diferentes registros e contextos de ação, e colocam as experimentações em torno do patrimônio como recurso estratégico para o desenvolvimento urbano e territorial.

Esse debate começou dentro do Grupo de Pesquisa S.I.T.U. (Pesquisas em Sistemas Integrados Territoriais e Urbanos), sediado na FAAC-Unesp|Campus Bauru, a partir de um projeto temático de cunho historiográfico da Fapesp. Só mais tarde, ao cruzar os fios da história (das cidades em seus territórios) e das convergências projetuais possíveis, essa cultura tipo-morfológica, e de cunho crítico-operativo, poderia ser atualizada à luz de análises baseadas em sistemas urbanos. O foco, então, era sobretudo, a escala territorial, que assumiu o viés de atuação na elaboração dos planos diretores dos municípios de Agudos, São Manuel e na Análise do Tombamento do Complexo Ferroviário de Bauru, dentre outros. 

– Qual a importância da preservação histórica das cidades brasileiras?

No meu entender, e falando sobretudo para os arquitetos, só se pode projetar o futuro a partir da leitura das várias camadas de tempo da cidade contemporânea.

Trajetória na arquitetura

Adalberto Retto Junior é amazonense, nascido na cidade de Tefé. Veio para São Paulo para cursar Arquitetura. É formado em Agronomia pela Universidade Federal do Amazonas, graduado em Arquitetura e Urbanismo com especialização em Urbanismo Moderno e Contemporâneo pela PUC-Camp. Doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e pelo Departamento de História da Arquitetura e Urbanismo do Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza – IUAV|Venezia – IT, com pós-doutorado no mesmo Istituto Universitario di Architettura di Venezia. Também foi professor-pesquisador da Universitè Panthéon Sorbonne Paris I, na França. Representou a Unesp no CONDEPHAAT no biênio 2015-2016.

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