Esqueça aquela imagem de prateleiras amontoadas de livros e distribuídas pela loja de um modo que se transformam em corredores que “escondem” os aficionados por leituras. No sebo Clepsidra, na Rua Treze de Maio, o cenário é diferente. Por lá, o espaço é aberto e os cerca de 8 mil livros disponíveis ficam apenas nas estantes perto das paredes.

O meio é uma grande área livre, com poltronas para sentar e ler, uma mesa para lançamentos de livros – feita com uma porta antiga – e uma estante para obras só de bauruenses ou sobre a cidade. A proposta é não ser apenas uma loja, e sim um espaço cultural. 

“Nós não tratamos os livros como fast food. Aqui, se o cliente não encontra algum livro, nós conversamos sobre as obras e indicamos outras. Sem forçar nem nada, é uma conversa. O cliente que vem aqui sabe que pode passar mais de uma hora aqui. Pode pegar um café, ler um livro, sentar aqui e ‘trocar uma ideia’. Essa é nossa essência”, diz Thiago Fanhani, criador do sebo. 

Ele abriu o Clepsidra com três amigos na capital, há cinco anos. Quando mudou para Bauru em 2019, trouxe na mala o projeto de abrir uma unidade da marca na cidade, para expandir ainda mais o mercado de sebos por aqui.

Um setor pensado inicialmente apenas para revenda de livros a preços baixos que alcançou a condição de centros literários, que inspiram hábitos como desapego e partilha das obras. São também locais para encontrar edições antigas e obras fora dos catálogos das editoras e livrarias. Os sebos se orgulham quando conseguem vender raridades. 

“Eu tenho livros dos anos 60 em ótimo estado. Temos aqui um livro raro de teatro, de R$ 300. É difícil de vender, mas a pessoa que encontrar vai se encantar. É um público que algumas vezes busca uma edição específica, e não se contenta se não for aquela. E eu acho isso muito legal”, comenta Fanhani.

Dos já comercializados, ele lembra quando, na capital, vendeu uma edição autografada da Clarice Lispector. “Foi um desafio vender, porque queríamos ficar (risos), mas é legal quando conseguimos ter essas obras à venda”. 

Nesse sentido, a forma como os sebos viram um espaço cultural para essas atividades é um aspecto importante do setor. Para encontrar as raridades, alguns fãs de literatura caminham por diferentes lojas em busca de edições especiais. Vira um passeio. Além disso, podem ser locais de encontro de leitores.

Na loja de São Paulo, por exemplo, o Clepsidra virou um ponto de encontro dos estudantes de faculdades próximas, inclusive participando no clube de leitura do sebo para discutir as obras. Aqui em Bauru, o Thiago já organizou alguns eventos.

Sebos no mundo digital

Seguir o tradicional não significa esquecer das possibilidades atuais. No sebo do Thiago, a internet e as redes sociais funcionam como aliadas.

O acervo de todas as unidades da Clepsidra está no Estante Virtual, e os livros podem ser enviados para todo o Brasil. Além disso, as redes sociais tornaram-se a maior ferramenta de divulgação. Para Thiago, o Instagram foi decisivo para o sucesso da loja, principalmente em 2020.

“Virou uma marca da nossa loja em Bauru. No fim da tarde, eu posto nos stories as novidades do dia e, assim que ponho, os clientes já pedem para reservar. Criou o hábito de ficar de olho no nosso Instagram para esperar as novidades. A pilha de livros do lado da minha mesa é só de reservas”, comenta. 

Além disso, apesar do foco ser na revenda, livros novos também fazem parte do acervo. Ele vende obras de editoras como a Canal 6, especializada em livros de autores locais ou sobre Bauru, a Edipro, a Perspectiva, entre outras.

Ou seja, ao contrário de um amontoado de livros antigos em prateleiras cheias de poeira, os sebos, na prática, são uma parte importante do mercado literário.

Unindo o moderno ao tradicional, Thiago conseguiu transformar a loja dele em um passeio e atrair diferentes públicos. “Nós sempre pensamos aqui como um espaço para vir com a família, com o cachorro, amigos, todo mundo é bem vindo aqui. A maioria dos clientes viram amigos, não é só um processo de compra. E fomos muito bem recebidos na cidade”, finaliza.

A cara de Bauru

Essa ligação com os públicos de Bauru não foi sem motivo. Quando chegou aqui e abriu o sebo há um ano e meio, Thiago sentiu a necessidade de estar conectado com a cidade. A estante da Canal 6, com livros de bauruenses e sobre Bauru, incluindo de outras editoras, é apenas uma das ações.

Ademais, ele faz parcerias para incentivar a distribuição de livros locais, desde sediar o lançamento a organizar financiamento coletivo para a publicação. No momento, o sebo ajuda na produção de três obras: um compilado de textos de mulheres bauruenses, um pedagógico sobre a cidade e um do Pedro do Cordel.

O Clepsidra também organiza eventos, como a feira de livros Papel Buzz, em parceria com o ilustrador bauruense Raphael Mortari, realizada no começo do ano passado. “E conseguimos reunir 200 pessoas. Foi maravilhoso. Queremos retomar os eventos no ano que vem. Eu quero um lugar onde as pessoas possam vir, sentar, conversar”, comenta. 

Além das atividades, as relações também são parte da integração com a cidade. Ele liberou o espaço para arrecadações das campanhas do projeto Ecopatinhas, fez parceria para sorteio com perfis literários da região e já conheceu donos de outros sebos, além de aceitar doação de livros para entregar a bibliotecas escolares de Bauru.

“Desde a inauguração, por exemplo, que eu trouxe o Aran Carriel, que tem uma loja de discos aqui e tem um projeto de 20 anos, chamado Autoboneco, pensamos na relação com a cidade. Apesar de ter começado na capital, eu trabalhei para que a loja de Bauru tenha a cara de Bauru, interagindo com as pessoas aqui”, explica Thiago. 

Livros de todos os estilos

Vendendo somente livros, as principais seções do acervo são as de literatura brasileira e literatura estrangeira. Além dessas, o sebo tem também gibis, esoterismo, biografias, culinária, infanto-juvenil, dicionários, culinária, religião. Da parte acadêmica, possuem livros nas áreas de psicologia, medicina, saúde, sociologia, filosofia, ciências políticas, comunicação, economia, administração, artes e exatas. 

Para livros fora desses segmentos, existe a seção ‘Outros Assuntos’. “É quando chega um livro sobre dobermans, por exemplo, aí não encaixa em nenhum tema (risos). Também porque não recuso livros. Já vendemos um livro sobre como costurar calça jeans que durou um dia aqui. Sempre tem alguém procurando uma obra específica”, diz Thiago. 

A unidade de Bauru consegue também trazer, em quatro dias, obras das lojas de São Paulo, que possuem um acervo de 50 mil livros. É possível checar a lista completa de obras à venda no perfil do Clepsidra no Estante Virtual, incluindo as disponíveis aqui na cidade.

Os preços de livros comuns começam a partir de R$ 7, embora alguns sejam vendidos a um real, e com valores, em média, acessíveis. “Se vier aqui com 50 reais, sai com a sacola cheia”, garante Thiago.

No máximo, os valores chegam a R$ 500, dependendo da raridade do exemplar. A obra que custa esse preço, por exemplo, é uma edição espanhola de 1902 em capa dura, de O Capital, de Karl Marx. “É uma joia rara aqui do sebo”, comenta o dono da loja. 

O Clepsidra também compra livros. Se vier com vários exemplares, ele consegue oferecer preços melhores. Se for apenas uma unidade, o valor será mais baixo. A curadoria é feita pelo próprio Thiago. “Dificilmente eu rejeito, mesmo que depois eu doe. Eu observo se são bons títulos e se estão em boas condições”. 

Ele costuma aceitar quase todos pois, para ele, não existe livro ruim, e sim públicos diferentes, pois toda obra é a paixão de uma pessoa e encontra alguém. “Cada livro é uma história, uma teoria ou uma ideia que estava na cabeça de alguém e que um dia foi publicado. Nós tratamos todos com carinho”, explica. 

O sebo tem uma editora

Além de sebo, a Clepsidra (cujo nome é inspirado em um livro de poesia do Camilo Peçanha) também é uma editora. Ela é especializada em obras dos estilos gótico, romântico e decadentista, e já tem 15 livros publicados no catálogo. Entre esses, estão os romances clássicos do gênero ‘Manfredo’ e ‘Caim’, de Lord Byron, ‘O Vampiro’, de John William Polidori, ‘O Necromante’, de Lorenz Flammenberg, e ‘O Aparacionista’, de Friedrich Schiller.

Além desses, a editora publica também textos brasileiros, como ‘Poemas de Vampiros’, de R.F. Lucchetti; não-ficção, como ‘Única’, com artigos que discutem os filmes de Alfred Hitchcock; e HQs e ilustrados, como o Frankenstein 200. Inclusive, é nesse segmento que está um dos “tesouros” da editora: O Corvo, de Edgar Allan Poe, adaptação de Machado de Assis e gravuras de Gustavo Doré. 

Recentemente, a editora lançou um clube de assinatura. Por R$ 20 mensais, eles enviam dois livretos de contos góticos, um marcador de página e um card na mesma temática.

Para o sebo, a editora é um diferencial, segundo Thiago. Ele conta que alguns clientes ficam de olho nos lançamentos da editora, vão à loja atrás das novidades, e acabam comprando outros livros. “Acabam descobrindo um universo que não era tão íntimo dele. Vêm pela editora, e acabam abrindo a porta para conhecerem outras obras também”

Quem gosta do gênero fica admirado pelo trabalho da editora, pela qualidade e preço das obras, garante Thiago. “Uma obra como essa, grande e com capa dura, custaria facilmente uns 80, 90 reais. Nós vendemos por 35 reais”.

Viver de literatura

Quem olha hoje o Thiago em meio aos livros, não imagina que há cinco anos ele trabalhava de camisa social no mercado financeiro. Quando perdeu o emprego naquele momento, reuniu-se com os amigos Cid, Rogério e Eduardo, que estavam na mesma situação, para abrir um negócio. 

Com dinheiro da rescisão em mãos, resolveram apostar na paixão pela leitura. Eduardo trouxe a experiência de ter trabalhado com sebos, Cid o tempo como editor, e Rogério e Thiago a vontade de atuar com livros. 

Para Fanhani, desde O Segredo da Amizade, de Wagner Costa, que ele lembra como a primeira leitura dele, foi uma paixão crescente. Depois desse, passou a Bukowski e Juan Gutierrez, HQs de Neil Gaiman e Alan Moore, obras de ocultismo e livros de sociologia e filosofia, como Bauman, Schopenhauer e o favorito dele, Nietzsche. “Assim Falava Zaratustra é meu livro de cabeceira. Foi um divisor de águas na minha vida, uma obra que eu consulto o tempo todo”, comenta.

Agora com o sebo, aprendeu também a desapegar. Quando veio para Bauru, precisou vender metade da sua estante. Atualmente, quando compra algumas obras, precisa lidar com esse sentimento. Sabe aquele ‘O Capital’ espanhol de R$ 500? Ele, na verdade, ainda está pensando se coloca à venda. “Então… eu namoro ele, ele me namora, nem cataloguei ainda. Pode ser que seja meu, mas se alguém vier aqui, talvez em venda”, brinca Thiago.

Portanto, para os quatro sócios, é trabalhar com o assunto favorito, tanto que publicam vídeos no YouTube comentando obras. Cada um fica com uma loja, e o Cid com a editora, e se reúnem uma vez por mês para falar sobre o sebo, os lançamentos, a vida e, claro, livros.

“Quando você faz algo com amor, com dedicação, é diferente. O Cid, um dos sócios, sempre fala que a editora é como se fosse um grande livro e cada obra que lançamos é um capítulo da nossa história”. Para a editora e para o sebo, a nossa expectativa é que seja um livro longo e com muitos capítulos pela frente. 

publieditorial
Serviço
Clepsidra
Endereço: Rua Treze de Maio, 12-48
Horário de funcionamento: De segunda a sexta, das 10h às 18h. Sábado, das 10h às 14h30 (durante a fase vermelha, o sebo está aberto para retirada)
Confira o acervo: /sebo-clepsidra-bauru
Editora: https://www.seboclepsidra.com.br/editoraclepsidra
Contato: (14) 99905-4199
Instagram: @seboclepsidrabauru
Facebook: /seboclepsidrabauru/

Compartilhe!
Carregar mais em Cultura

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também

Exposição fotográfica gratuita em Bauru comemora o Dia da Botânica

Neste mês de abril, o Jardim Botânico Municipal de Bauru reapresenta a exposição fotográfi…