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“A vida é uma só. Dançar é um grande prazer”, é assim que Márcia Nuriah termina essa entrevista. Mas não poderia ser diferente. Ela, que praticamente nasceu em uma escola de dança, sempre diz sim para a arte e não para de ir atrás de seus sonhos. Nesse bate-papo com o Social Bauru, a profissional falou sobre a participação em um evento na Bélgica, seu começo no mundo da dança, revela que já pensou em desistir da arte e o que a move todos os dias.

“Eu realizei muitos sonhos em minha vida. E como não acho possível uma vida sem sonhos, eu vou tratando de criar novos sonhos a cada momento”. Saiba mais sobre a história dessa profissional em dança árabe de Bauru:

Como foi participar de um evento na Bélgica?
Participar do Raqs Antwerpen foi uma delícia! Era um evento formal com a presença do professor Hassan Khalil, uma lenda viva da história da dança oriental, e contou com a participação de artistas de diversas nacionalidades. Apesar de tudo, era um ambiente muito descontraído nos bastidores.

Como foi esse evento e como surgiu a oportunidade?
Esse evento acontece anualmente e é produzido com o intuito de mapear a produção artística na área de danças árabes e étnicas na Europa. Eu estou há quatro anos morando na Holanda, onde tenho participado de diversos eventos e ministrado workshops. Assim, surgiu o convite.

Há quanto tempo você dança e qual o estilo da dança?
Minha mãe é bailarina clássica profissional e eu praticamente nasci em uma escola de ballet. Fiz ballet clásico desde os seis anos de idade. Estudei daça contemporânea, mas sempre me interessei por danças étnicas. Em uma viagem ao Egito em 1986 eu tive o primeiro contato com as danças árabes. Depois morei por 6 anos no Oriente Médio onde pude me aprofundar mais nos estudos dessa modalidade. Desde então, sigo trabalhando nesta área. Também me interesso também por aplicações de fusoões de estilos. Atualmente, me dedico à pesquisa e releitura de modalidades históricas específicas, além de aplicações de princípios matemáticos como Geometria Dourada e Fractais em composição coreográfica. Vou ao Brasil para dar duas palestras com esses temas no Festival Mercado Persa, que é um dos maiores festivais de dança árabe no mundo. O Brasil é um sucesso mundial na área de danças orientais inclusive com produção musical.

E como foi esse começo?
Bom, eu danço desde que me entendo por gente. Mas o primeiro contato que eu tive com a dança árabe foi a partir da ótica da bailarina ocidental e eu tive uma certa resistência. Foi uma questão de quebrar paradigmas estéticos até me apaixonar por essa modalidade.

Você lembra por que decidiu começar a dançar?
Eu não sei se posso dizer que decidi dançar. Dança sempre fez parte da minha vida e eu não consigo conceber a vida sem a dança. Hoje tenho uma necessidade interior de me expressar através da dança. Bailarinos são artistas cujo material de trabalho e ó próprio corpo. Coreógrafos são artistas cujo matéria-prima é o material humano. Isso é nossa dor e nossa delícia de ser. O artista tem uma necessidade, uma urgência de produzir a sua arte como forma de suportar a existência. Isso é incrível.

Quando está no palco, qual o sentimento?
Quando estou no palco estou totalmente entregue ao sentimento que urge se expressar através da proposta coreográfica. Desde a respiração. É uma ausência até, eu diria. Há que transcender o momento, a dimensão presente e mergulhar na música, deixar fluir os movimentos. É quase uma experiencia mística. Por um outro lado, não há improvisação cênica – a não ser que seja essa a proposta. Todos os movimentos ali foram estudados, repetidos até a exaustão, até o ponto de se internalizarem e permitirem essa entrega. Uma ausência onde há consciência dos mínimos detalhes das respostas físicas, musculares, de movimento, de divisão de tempo e espaço. É difícil explicar.

E quantas horas por dia você ensaia?
Depende. Entre aulas e ensaios eu diria que, normalmente, três horas por dia no mínimo e, em períodos de apresentações, cinco horas por dia. Nem sempre os compromissos diários de uma mãe de família permitem essa dedicação. Mas foram anos, anos e anos de dedicação total não só em preparação física de aulas e ensaios, mas também de muita pesquisa teórica e vivências diferenciadas para chegar nesse resultado. O que eu apresento hoje é uma dança madura que reflete meu momento e minha experiência de vida. Vou fazer 50 anos e neste momento a dramaticidade é mais importante do que o vigor físico e a virtuose técnica. Isso também é reflexo de uma nova escala de valores em relação à vida que a própria maturidade traz.

Imagino que tenha que deixar algumas coisas de lado para poder ensaiar sempre. Em algum momento pensou em desistir?
Eu já pensei várias vezes em desistir da arte. Porque muitas vezes eu vejo que o aspecto comercial prejudica muito a livre interpretação artística bem como a receptividade do público. Eu acho que a arte deve ser livre, irreverente, deve questionar a sociedade e seus valores e não servir ao mercado. A arte como produto, como bem de consumo para servir a cultura de massa passa por deformações conceituais que comprometem a sua essência. Esse conceito chega afetar as relações humanas dentro desse processo. Um artista não é um prestador de serviço, a arte não é um produto de prateleira. Se por um lado a arte popular é um registro da cultura, da mentalidade de uma época ela também deve ser um catalisador de uma revolução no pensamento coletivo. Dentro desse processo, a dança oriental, tão libertadora e empoderadora do elemento feminino passar a servir justamente ao estereótipo da mulher e do consumo. Isso me desanima. Mas por sorte, eu sempre acabo encontrando outros artistas verdadeiros e vou sempre tendo novas inspirações para projetos.

Qual o seu maior sonho, o que a dança ainda não te ajudou a realizar?
Eu realizei muitos sonhos em minha vida. E como não acho possível uma vida sem sonhos eu vou tratando de criar novos sonhos a cada momento. Uma coisa eu sei: seus sonhos não estão na sua zona de conforto. Sonhos têm preços altos a serem pagos e envolvem muitos riscos. É preciso ter coragem e muita vontade para realizá-los. Hoje eu tenho uma família, conjugo os verbos no plural. Por enquanto não posso sonhar sozinha e tenho que repartir sonhos. Para isso, algumas vezes eu tenho que por a dança em segundo plano, o que não é fácil. Eu realizei muito sonhos diferentes: morar no Oriente Médio, morar em uma ilha cercada de natureza. Meus sonhos são sempre ligados a uma forma diferente de viver. Um desassossego, um bater de ventos que me levem. A dança pode não me proporcionar isso, mas está sempre sendo parte desse todo.

E qual o recado você pode passar para quem quer começar alguma dança e não tem coragem?
Que faça, em primeiro lugar, uma análise do porquê não tem coragem de começar. Muitas vezes isto está ligado ao medo de não corresponder em resultados técnicos ou estéticos das expectativas tanto dos outros quanto de si mesmo. Nós vivemos em um mundo extremamente limitante a partir desse ponto de vista. A indústria da estética criou padrões físicos e a competitividade do sistema corporativo criou expectativas de eficiência muito difíceis de se alcançar, apoiados pelo marketing que trabalha justamente com a vergonha, o mal-estar que pode incutir nas pessoas “vendendo”esses ideais como os únicos nos quais se pode alcançar uma felicidade plena. Há que se libertar desses padrões, questionar esses valores. A vida é uma só. Dançar é um grande prazer.

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