O som do mar, da chuva, aquela música que nos leva de volta para a infância: a música faz parte das civilizações há muito tempo e em diferentes momentos. Porém, como terapia, ela é utilizada desde a Segunda Guerra Mundial, quando incluíram a música no tratamento e na reabilitação de soldados dos Estados Unidos.

Mas, como funciona, de fato, a musicoterapia? Nossa equipe conversou com quem entende. Paula de Marchi Scarpin Hagemann é graduada em Musicoterapia e Psicologia, com atuação sempre voltada para a área hospitalar, em especial, junto de portadores de doença renal crônica em hemodiálise. Já Paula Martins é mestre em Ciências, com ênfase em educação musical, comportamento e aprendizado infantil, pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutoranda em Ciências pela USP, com ênfase em educação musical e comportamento e cognição infantil.

Em entrevista à nossa equipe, as duas comentaram sobre este instrumento no tratamento de …

O que é musicoterapia?
Paula Scarpin: A musicoterapia como ciência e profissão é relativamente jovem. Ela surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, nos EUA, para auxiliar no tratamento e reabilitação de soldados. É uma carreira de nível superior (graduação e pós-graduação), onde o conhecimento musical é um importante requisito. Na prática, a musicoterapia dedica-se a melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas por meio da música. Ela consiste na utilização da música e/ou de seus elementos (ritmo, melodia, harmonia) por um musicoterapeuta qualificado com o objetivo de desenvolver potenciais, contribuir para a aprendizagem, promover a comunicação e restabelecer funções do indivíduo. Além disso, pode contribuir para a melhora da expressão emocional, coordenação motora, socialização e funções cognitivas como memória, atenção, concentração e linguagem. Os atendimentos podem ser realizados individualmente ou em grupo e as intervenções se dão por meio de técnicas e métodos específicos. A musicoterapia só pode ser feita por um musicoterapeuta qualificado, ou seja, por alguém que tenha graduação ou pós-graduação na área. Infelizmente, por ser uma profissão recente e pouco conhecida, é bastante comum profissionais de diversas áreas divulgarem um trabalho como musicoterapeuta, sem ter uma formação. Acho importante esclarecer que a música não é de uso exclusivo do musicoterapeuta. Ouvir música, tocar um instrumento, participar de atividades que utilizam música podem proporcionar momentos de descontração e relaxamento, ou seja, podem levar a um efeito terapêutico. A diferença reside no fato de que o musicoterapeuta utiliza a música com objetivos terapêuticos.

É possível tratar alguma doença com a música? De que forma?
Paula Martins: Atualmente, temos diversos estudos científicos que comprovam que a música como arte e ciência podem representar uma estratégia útil na promoção da saúde física e mental, diminuindo a ansiedade e melhorando a qualidade de vida de pessoas que sofrem de alguma determinada doença. A terapia por meio da música também pode ajudar a aliviar alguns sintomas e efeitos colaterais de um determinado tratamento, mas não pode curar, tratar ou evitar doenças. Na internet circulam notícias que apontam que doenças regrediram quando expostas a uma determinada música. Não existe nenhuma comprovação científica de que podemos, por exemplo, curar um câncer ao ouvir uma Sinfonia de Beethoven. A questão é que, se a pessoa acometida pelo câncer tem alguma relação emocional positiva com aquela música, a mesma ajuda a pessoa a tolerar e lidar de maneira mais “otimista” com a situação.

E pode ser qualquer música?
Paula Scarpin: Não existe receita e nem fórmula pronta. Cada paciente ou cliente é visto em sua individualidade e os objetivos terapêuticos são traçados a partir da história e queixa do paciente, sendo que seus gostos, preferências e vivências musicais são aspectos importantes deste processo. Então sim, pode ser qualquer música.

Vocês têm algum exemplo de superação de algum paciente para poder comentar?
Paula Scarpin: enho exemplos sim. Tenho um caso de uma mulher de 62 anos que participou de atendimentos de musicoterapia em grupo durante sessões de hemodiálise. Ela estava debilitada pelo tratamento e pelas limitações da própria doença. Assim como muitos pacientes que fazem hemodiálise, queixava-se de que o tempo não passava enquanto estava ligada à máquina. O fato de fazer música em grupo e em um contexto terapêutico levou à melhora da autoestima desta mulher e à percepção de que, apesar da doença e das inúmeras perdas, ela ainda tinha potencial para fazer muita coisa. Um dos momentos mais marcantes deste grupo, foi quando o grupo compôs uma canção. Esta paciente, em especial, não se julgava capaz de fazer isso. Com meu apoio e apoio do grupo, ela conseguiu fazer sua canção e, com ela, cantou temáticas importantes de sua vida, suas angústias, suas expectativas. Esta senhora não tinha conhecimento musical prévio e, fazer algo antes impensável, contribui muito para a melhora de sua autoestima. Ela mencionou por diversas vezes ter se sentido mais animada tanto dentro quanto fora da hemodiálise. Fora isso, ela teve significativa melhora da qualidade de vida e dos sintomas de depressão em um curto espaço de tempo, além de estreitar os laços com os colegas da hemodiálise.
Paula Martins: Sou uma das proprietárias da Bravo Academia de Música e posso destacar o caso de um menino de 11 anos que tem Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). O TDAH não é uma doença e sim um transtorno, portanto não há cura para o problema, mas tem tratamento. O TDAH é um transtorno de “base orgânica”, associado a uma disfunção em áreas do córtex cerebral. Quando seu funcionamento está comprometido, ocorrem dificuldades com concentração, memória, hiperatividade e impulsividade. A música interfere na plasticidade cerebral, favorece conexões entre neurônios na área frontal, que é relacionada a processos de memorização e atenção, além de estimular a comunicação entre os dois lados do cérebro, o que pode explicar sua relação com raciocínio e matemática. A área cerebral responsável pela música está muito próxima da área de raciocínio lógico-matemático, ou seja, as conexões nervosas acionadas quando expostas a uma obra musical são muito próximas daquelas usadas ao fazer-se uma operação aritmética ou lógica, no córtex cerebral esquerdo. Durante o período em que esteve exposto às atividades musicais, o aluno obteve melhora na concentração, memória, disciplina e, consequentemente, em suas habilidades escolares. Outro ponto positivo foi que ele também estava conseguindo controlar melhor o uso da medicação.

Além da musicoterapia, quais os outros benefícios da música para o ser humano?
Paula Scarpin: Independentemente do uso terapêutico da música, estudar música auxilia muito no desenvolvimento cognitivo das crianças. Já existem diversas evidências científicas a respeito disso. Fora isso, estudos têm demonstrado que ouvir música prazerosa pode ativar áreas cerebrais corticais e subcorticais, onde as emoções são processadas.
Paula Martins: As funções da música na vida cotidiana estão claramente relacionadas às relações interpessoais e o aumento do número de pesquisas relacionando o aprendizado musical no campo da saúde e educação tem demonstrado o seu papel como importante aliado às alternativas de tratamento. Também tem se mostrado importante para o neurodesenvolvimento infantil e de suas funções cognitivas. Os neurocientistas referem que a música se constitui um modelo ideal para pesquisas sobre o funcionamento cerebral, pois os estudos científicos revelam a existência de interações neurais que provocam as reações humanas ao estímulo musical, mostrando como o cérebro integra tarefas perceptuais e comportamentais complexas. Em resumo, o contato e o aprendizado musical provocam sensação de enorme bem-estar; regula a frequência respiratória, a pulsação e a pressão sanguínea; desenvolve a sensibilidade e ampliam a percepção, desenvolvendo a coordenação motora e expressão corporal. Também desenvolve o raciocínio lógico e a memória, bem como as habilidades matemáticas; desenvolve aspectos da personalidade estimulando a formação global do individuo por facilitar a expressão de ideias, pensamentos e sentimentos bem como o incremento da capacidade de autocontrole e disciplina; estimula o desenvolvimento da linguagem a socialização, entre outros tantos benefícios.

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