acidente-carro

O cenário era Londres, 1896, uma quente manhã de final de verão no hemisfério norte. Bridget Driscoll era uma jovem senhora, 45 anos, casada, mãe de três filhos. Juntamente com sua amiga Elizabeth Murphy e sua filha adolescente May, passeavam pelo Dolphin Terraço, nos jardins do Cristal Palace. As amigas conversavam alegres e contavam uma à outra as novidades daquele final de século XIX.

Foi aí que surgiu, inesperadamente, um automóvel de propriedade da empresa anglo-francesa Motor Carriage Company e que estava sendo usado em passeios para demonstração da nova máquina, afinal, o automóvel era ainda um produto raro para os tempos. Bridget foi colhida violentamente e morta por aquele ‘tanque’, com sua lataria e para-choques construídos a partir de grossas chapas de aço e chassi feito de longarinas muito resistentes.

O culpado era o jovem motorista Arthur James Edsall, morador do borough de Upper Norwood, sudeste de Londres e, que segundo testemunhas presentes, trafegava em grande velocidade. Estimavam as testemunhas que ele estava dirigindo o veículo em velocidade imprudente, para causar boa impressão a uma bela e jovem passageira, Alice Standing, de Forrest Hill, que se interessou pelo automóvel.

A velocidade máxima possível de ser atingida pelo veículo, segundo o fabricante, era de 8 milhas por hora, algo próximo de 13 km/h, porém o motorista alegou que estava a uma velocidade bem menor, a 4 milhas (6,4 km/h). A linda passageira foi intempestiva em seu depoimento à polícia. Afirmou que Arthur deliberadamente modificou as configurações do motor do “possante”, para que ele desenvolvesse velocidades mais emulativas. Um mecânico e também taxista que trabalhava próximo ao Cristal Palace examinou o carro de Arthur e foi categórico: o motor deste veículo é incapaz de desenvolver velocidades superiores a 4,5 milhas por hora (7,2 km).

O acidente aconteceu apenas algumas semanas depois que uma nova Lei do Parlamento inglês havia ampliado o limite de velocidade para os veículos para 14 milhas por hora (23 km/h). O fato, inusitado, ganhou as manchetes de todos os tabloides britânicos, causando grande repercussão. Um inquérito foi instalado pela polícia e chegou aos tribunais. O processo ganhou status de muita importância, afinal era a primeira vítima fatal de que se tinha conhecimento, motivada por um acidente de trânsito. Ao final do processo um júri foi instalado, sob o comando de um sisudo juiz londrino.

Após um julgamento que durou cerca de seis horas, o júri apresentou o veredito de “morte acidental”, e nenhuma acusação foi imputada ao motorista. O perito forense, Percy Morrison, do borough de Croydon, vizinho ao de Upper Norwood, no entanto, foi enfático em sua afirmação. Disse em alto e bom som de que “uma coisa dessas nunca deveria voltar a acontecer.”

No entanto, a britânica Sociedade Real para a Prevenção de Acidentes estimou que, até 2010, 550 mil pessoas já haviam sido mortas no trânsito do Reino Unido. Já, o livro Segurança no Trânsito, de Ferraz, Raia Jr. e Bezerra, 2008, Editora São Francisco, estima que até os dias atuais, cerca de 30 milhões de pessoas perderam suas vidas no trânsito mundial.

De toda esta história, dois fatos ficam bem marcados. O primeiro: a veemente manifestação do perito britânico, de que outro acidente como aquele jamais deveria ocorrer novamente. Parece que ninguém deu o devido crédito àquela afirmação indignada e cheia de expectativa otimista. A sociedade não se acercou dos devidos cuidados para que esta hecatombe de mortes no trânsito não se constituísse. O segundo fato a destacar é que, já a primeira morte no trânsito não era culpa de ninguém. Não merecia qualquer punição. A jurisprudência estava estabelecida. No trânsito pode-se matar sem culpa nem dolo! Tal como hoje.

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