A cultura hip hop chegou aqui pelas linhas do trem, assim como muita coisa que compõe o que conhecemos hoje por Bauru. Era por esse meio de transporte que bauruenses se deslocavam até São Paulo e procuravam pela estação São Bento, um dos principais pontos da cultura hip hop no Brasil dos anos 80 e 90.

Já na metrópole, acontecia a magia do intercâmbio cultural. Loja de discos, rodas de breaking nas ruas e shows de rap ao vivo, tanto na São Bento, quanto nas proximidades da Rua 24 de Maio. Tudo cativava os olhos, corações e quadris dos meninos do interior.

“A gente foi algumas vezes para a [estação] São Bento. A gente usava muito a ferrovia para isso, porque era barato pra ir para São Paulo, mesmo que demorasse mais”, lembra Marcus Vinícius (51) integrante da cultura hip hop desde os 12 anos e considerado um dos pioneiros dela em Bauru. “Lembro quando a gente foi para São Paulo, saímos de noite daqui. Tudo para comprar disco dos Racionais MC’s. A gente chegava lá, comprava na Galeria do Rock, que tinha lojas de músicas, e voltava de madrugada… Eram umas loucuras assim para escutar uns discos [risos]”, complementa.

O desembarque em Bauru colecionava expectativas. Marcus conta que, em alguns casos, pessoas ficavam aos arredores da ferroviária à espera das novidades. Dali, andavam algumas quadras pelo Calçadão da Batista até chegar na Praça Rui Barbosa, considerada principal ponto de encontro do “Movimento Hip Hop” nos anos 90.

A cultura hip hop consiste em quatro elementos principais: DJ, grafite, rap (música) e break (dança). Na foto, batalha de rap na Praça Rui Barbosa em 1992 (Foto: arquivo pessoal/Marcus Vinícius)

O rap em Bauru

Na década de 90, o rap foi o que ganhou mais espaço em Bauru ao difundir, em forma de música, questões que a mídia hegemônica não abordava. Era a música enquanto retrato daqueles que não eram convidados a usar a própria voz.

Renato Moreira (41), também conhecido como Magú, produtor cultural bauruense e membro da cultura hip hop, compartilha como foi o primeiro contato com um dos elementos. O ano era 1992.

“Conheci o hip hop através de um amigo da escola. Eu tinha 12 anos e colei num evento na Praça Rui Barbosa. Chegando lá, estava o Desacato Verbal e era uma galera falando um monte de coisa massa e que eu me identificava. Coisas que eu sempre quis falar, mas não sabia como falar. Era um grupo que já estava bem à frente do tempo, falando de coisas que outras pessoas só viriam a falar muitos anos depois, como sobre a questão da mídia, preconceito, racismo, violência policial… Enfim. Coisas bem marcantes para jovens da periferia”, conta.

O grupo Desacato Verbal era composto por artistas de Bauru e região. Inicialmente, faziam parte MC Ti, MC Totão e DJ AS Jay (atual DjDing Ding). Já a segunda formação, responsável pelo lançamento de um disco, tinha Thutão, Black D e MC Ti como membros.

Da esquerda para a direita Tuthão, DJ Black D e MC Ti. Todos em frente à ferroviária de Bauru

“A formação do grupo partiu da premissa de que não se pode ser violento em uma sociedade violenta e que nosso país, mais particularmente a raça negra, estão passando por momentos difíceis”, afirma MC Totão em junho de 1992 para o Jornal da Cidade.

Além da praça central e dos encontros na periferia, o rap passou a ocupar as casas de dança da época. Esquina Dance, no cruzamento da rua Gustavo Maciel com a rua Primeiro de Agosto, o Flash Dance, atual Flash Ramp na Av. Rodrigues Alves, e a Clube das Nações.

Acervo Jornal da Cidade, junho de 1992

A consolidação do breaking em Bauru

Com o rap nas bocas e ouvidos, chegou o breaking. De acordo com Marcus, havia poucos adeptos da dança na cidade ainda nos anos 90. Ele foi um dos que passaram a popularizar a dança por aqui assim que chegou de Campo Grande, aos 17 anos, cidade em que mantinha o grupo de breaking “Street Breaking”. Todavia, apesar das “portas abertas”, conquistar um espaço não foi fácil. O principal obstáculo era o preconceito.

“Tinha preconceito nos bailes. Tocava a música e a gente abria as rodas para dançar. Muitas das vezes, os seguranças impediam a gente de dançar. No Esquina Dance não tinha esse problema, porque era uma casa voltada para o hip hop”, informa. “Muitos dos movimentos de breakings são acrobáticos, tem giros, giros de cabeça, alguns lembram muito a capoeira… e os seguranças achavam que isso era briga, mas era uma galera muito da paz. A cultura surge exatamente para evitar as brigas”, complementa.

B-boys dançam breaking na Praça Rui Barbosa (Foto: arquivo pessoal/Marcus Vinícius)

Luta na criação da Semana do Hip Hop em Bauru

De lá para cá, muita coisa mudou. O hip hop chegou pelas ruas e por ela se consolidou. Os grafites enfeitam e contam a história de Bauru pelos muros, os DJs comandam as batalhas artísticas que ocorrem em todos os dias da Vila Dutra ao Otávio Rasi, além dos shows de rap que agitam a multidão.

“Eu sou a segunda geração do hip hop na cidade, mas essa primeira geração foi a que construiu todas as bases para que a gente pudesse continuar nela”, explica Magú sobre como as ações coletivas contribuíram para a expansão da cultura hip hop em Bauru.

Renato Magú em frente ao grafite lateral do Centro Cultural

Por conta disso, já nos anos 2000, o município passou a tratar a cultura hip hop como movimento sociocultural. Surgem as Organizações Não Governamentais (ONG), como o Quilombo do Interior, primeira ONG do interior paulista dedicada ao hip hop. Aqui o hip hop tornou-se uma pauta política a ser defendida e assegurada.

Em 2006, o Quilombo do Interior chega ao fim e dá marcha para o Instituto Acesso Popular, que para além do hip hop, trabalhava questões culturais, educacionais e políticas e era responsável pela criação da Casa do Hip Hop, instituição que oferecia oficinas e atividades relacionadas à cultura e educação.

“Em 2011, a gente foi reconhecido pelo Governo Federal como um ponto de cultura. Nosso fluxo de trabalho cresce muito e mesmo assim nosso trabalho não era visto. Então a gente resolveu pegar uma semana e colocar tudo aquilo que a gente produzia no ano inteiro”, informa Magú sobre a criação do que viria a tornar-se, mais tarde, a “Semana do Hip Hop”.

Segundo ele, que é um dos idealizadores e coordenadores do evento, a primeira e a segunda semana foram um sucesso. Já a terceira, em 2013, precisaria de um financiamento público. Dessa forma, integrantes do movimento hip hop recorreram e pressionaram o poder público para a elaboração e execução de uma lei que instituísse o evento no calendário oficial do município. Assim nasceu a Semana Municipal de Hip Hop pela Lei Municipal nº 6358 de 2013.

O evento promove oficinas artísticas, debates, batalhas, feiras, visitas a escolas e entidades socioassistenciais e shows em diversos pontos de Bauru. Tudo de forma gratuita. Hoje em dia, após duas pausas por conta da pandemia de Covid-19, a Semana do Hip Hop está na 10° edição e começa neste sábado (05). Até o dia 13 de novembro, reúne diversas atrações nacionais. Confira a programação completa aqui.

“O hip hop tem uma relação com a cidade, com o patrimônio público e com o poder público desde quando ele começa. Hoje é muito mais forte e organizado […] qual é a cidade que queremos? Qual é o hip hop que queremos? Eu quero um hip hop agregador, um hip hop que tenha entrada em todos os setores da cidade e que seja respeitado como uma cultura que arrasta multidões. Então é bastante simbólico pra gente toda essa construção de hoje, que começou bem antes”, finaliza Magú.

 

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