Luana Protazio nasceu no Paraná, mas ainda muito criança veio para Bauru. “Estou aqui desde criança, então posso afirmar que sim, sou bauruense!”. Com 21 anos, Luana sempre teve dificuldades em aceitar o próprio cabelo e sente, até hoje, a liberdade que a transição capilar lhe proporcionou. Para a nossa equipe, a jovem relembrou sobre o processo. O relato é verdadeiro e mostra uma nova Luana. Confira:

A decisão
“Eu comecei a transição em 2014. Eu frequentava um salão de beleza, onde fazia manutenção do alisamento e do aplique que eu usava na época e conversava muito com a minha cabeleireira, a Viviane sobre isso. Na época, eu participava de um grupo de mulheres negras no Facebook e as via falando sobre suas transições em meio a outras discussões. Então já tinha um pouco de vontade, mas não tinha muita informação ou exemplos próximos para me espelhar. Foi nessas conversas com a Viviane que ela me incentivou a voltar para o natural e me indicou as tranças box braids como uma forma de passar pela transição, já que o corte químico (big chop) seria pedir demais para mim naquele momento… (risos). E assim fiz.”

O processo
“O fato de passar pela transição com tranças me ajudou muito! Eu já gostava de tranças e a cada manutenção cortava um pouco da química, enquanto meu cabelo natural crescia na raiz. Ficava feliz de vê-lo crescendo! Acredito que o acesso, ainda que tímido até aquele momento, às discussões de mulheres negras no grupo mais o incentivo da minha cabeleireira foram cruciais para a decisão. Não pensei muito antes, só me joguei nas tranças e parei com os relaxamentos. Mas o meu processo de transição capilar também foi marcado pelas discussões que fui tendo cada vez mais acesso. Talvez por isso esse período tenha sido um separador de águas para mim. Eu sempre brinco que tem uma Luana antes da transição e uma Luana após a transição, e essa Luana após a transição parece ter acordado de um longo sono… Foi aí que percebi meu cabelo também como resistência apesar de ser apenas uma parte do meu todo. Toda informação e conhecimento que adquiri, toda conversa com outras mulheres negras, toda leitura abriram minha cabeça e por isso, em nenhum momento, eu pensei em voltar a alisar. A liberdade que senti após a transição – e isso é um sentimento muito pessoal – faz com que eu não queira abrir mão disso.”

Infância
“Eu alisei o cabelo por 7, 8 anos. Se não fosse pela minha mãe, teria sido muito mais porque desde muito cedo eu a perturbava pedindo para alisar e ela dizia que com aquela idade não podia. Então só comecei aos 12 anos. Na minha infância, meu cabelo sempre foi visto como uma questão, um problema a se resolver, algo a ser controlado. Como não havia muita informação de cuidados para cabelo crespo, minha mãe passava muitas horas tentando ajeitá-lo e eu odiava isso. Pentear a seco, passar pente quente, trançar para ter uns dias de paz. A falta de informação fazia com que o cuidado com o cabelo fosse sinônimo de sofrimento. Sem contar a perturbação na escola e a autoestima baixa. Então, quando o tão esperado dia chegou eu estava pronta para tudo o que acreditava que o cabelo liso me proporcionaria (risos).”

Bullying
“Sem dúvidas, ser uma menina negra de cabelo crespo na escola foi difícil desde o primeiro dia, ainda que eu não entendesse muito quando criança. Hoje entendo melhor e o racismo, como uma mazela estrutural, é uma constante. O cabelo, que antes era motivo de zoeira, apelidos, brincadeiras de mau gosto e perseguição, me deixava confusa e envergonhada. Hoje, ele é motivo de orgulho e por isso tem outra conotação; quando veem meu cabelo sabem que sou uma mulher negra, sei o que isso significa e me orgulho disso. Então, o racismo não se apresenta mais em zoeiras e apelidos, ele se apresenta por exemplo na vaga de emprego que pede ‘boa aparência’ e eu já vi muitos casos sobre isso, até mesmo de mulheres que voltaram a alisar porque tiveram dificuldade em arrumar emprego com o cabelo natural, o que é muito triste. Ainda tem os comentários sobre o quão bonita eu sou, mas ficaria ainda mais se usasse alguma química que abrisse meus cachos, e por aí vai.”

Autoestima lá em cima
“Esse processo construiu a minha autoestima. Nossa, isso foi uma questão por muito tempo. Eu tinha tanta dificuldade em enxergar beleza em mim e me sentir eu mesma, e hoje entendo autoestima como algo muito além do sentir-se bonita ou sentir-se A MAIS bonita, principalmente porque aprendi que autoestima não tem nada a ver com os outros, tem a ver com você. éÉsentir-se confortável e bem consigo, com quem você é, com o que você faz, com o espelho. Também é entender que tudo bem não se sentir maravilhosa todos os dias porque você se valoriza e sabe o quê importa. Autoestima é algo que prezo muito hoje e faço a manutenção disso.”

Se joga!
Eu entendo que o processo todo pode ser muito difícil, não é só um mar de rosas como parece quando eu falo. Primeiro porque muitas mulheres negras alisam o cabelo há tantos anos que não se lembram mais como é a textura natural e isso causa medo. Pode ser que seu cabelo não forme cachos perfeitos ou não tenha o formato que você espera, então é importante buscar referências e estar aberta a aceitá-lo como for. O cabelo crespo tem várias texturas e tipos, por exemplo, meu cabelo é tipo 4c, não forma cachos, é crespo-crespíssimo. Mas isso não foi uma surpresa decepcionante quando fiz a transição porque minhas referências eram tão crespíssimas quanto. Só que apesar da melhor aceitação social, hoje o que mais vemos são cachos abertos ou crespos delineados nas capas de revistas e outros espaços como exemplo de natural perfeito. Fuja disso! Seu cabelo é perfeito como é. Volto a dizer que sei que isso é muito difícil, então a minha dica é essa: busque referências para estar segura da sua decisão e busque apoio e incentivo em amizades, família, grupos nas redes sociais e blogs, que também podem ajudar. Ah, não faça por pressão, pesquise mais se não está tão segura, leia relatos de transição, converse com conhecidos e quando estiver bem com isso, aí sim, vai que é sua! Fazendo isso segura e ciente, eu juro que a sensação de liberdade e pertencimento valem muito a pena!”

Nova mulher
“A construção da autoestima neste processo trouxe muitas mudanças: eu me sinto bem em mim mesma, eu me sinto capaz, eu me movo para provocar as mudanças que almejo. Como mulher, eu me sinto bonita ainda que isso seja sempre uma variante para mulheres, somos sempre bombardeadas com coisas que esteticamente nos faltam, mas ainda assim eu exercito esse sentimento através do cuidado. Essas mudanças não são com resultado direto da transição capilar, com certeza não! A minha experiência pessoal proporcionou isso por conta dos diversos outros fatores que vieram com a transição e por isso eu deposito todo esse valor. Como sempre afirmo, a transição capilar me trouxe diretamente liberdade e pertencimento – pertencimento racial, pertencimento estético, pertencimento pessoal, isso eu posso dizer. Não há coisa mais linda do que se sentir bem no próprio corpo porque isso por muito tempo nos foi negado. Isso significa muito para mim.”

Projeto Elogie uma Irmã Negra
Durante o processo de transição, Luana criou o projeto Elogie uma Imrã Negra, que começou como uma página no Facebook e hoje já tem site e camisetas. Com o projeto, a jovem se redescobriu mais uma vez e agora usa a escrita para transbordar seus sentimentos.

“O Elogie uma Irmã Negra aborda e busca promover identidade, autoestima, conhecimento e afetividade negra. Todos os conteúdos têm esse propósito. Nasceu como uma página simples, enquanto eu ainda estava na transição, num momento em que pensava muito a construção da minha autoestima. Hoje tem site e até camisetas para venda e manutenção do projeto! Foi através dele que comecei a escrever também, algo que é um pilar na minha vida hoje. No blog elogieumairmanegra.com eu escrevo sobre esses temas e também levo isso para a prática e para discussões e ações fora da rede. Tudo isso se conecta e têm muito significado para mim porque molda quem eu sou atualmente.”

Passo a passo
A bauruense Bruna Nekis Gonçalves Martins Borges, mais conhecida como Brunex Hair, tem uma empresa em Bauru cujo objetivo é realçar a beleza afro. Para nossa equipe, Bruna deu algumas dicas para quem também quer iniciar a transição:

“Optar pelo big chop ou pela transição capilar vai depender inteiramente de você. Você tem que olhar no espelho e se aceitar do jeitinho que seu cabelo. Não existe nenhuma fórmula mágica ou ensinamento que deva seguir nessa decisão. Mas é importante considerar algumas coisas para não desistir da transição ao se arrepender do corte.”

Bruna continua: “a primeira dica é: deixe o cabelo crescer até um tamanho que irá te agradar. Algumas meninas não se sentem bem com cabelos muito curtos e, ao realizar o big chop, acabam optando por usar tranças afros, turbante, e laces wig. Por esse motivo, tenha certeza que o comprimento seja do seu gosto e tente procurar cortes legais para o seu Big Chop. Já em relação ao corte, não é necessário cortar curtinho de uma só vez…Pode ir cortando aos poucos, gradativamente! Se você estiver confiante na sua escolha, nenhum comentário vai poder te parar ou te colocar para baixo. Tenha atitude!”

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