A primeira visão ao entrar no escritório de João Cabreira, que completa 40 anos como dono de baladas em Bauru, é uma parede de quadros com as marcas de bares e casas noturnas criadas pelo empresário. Entrar nesse cenário é embarcar em uma viagem pela história da noite bauruense.
Tudo começou quando João, natural de Borebi-SP e bancário aos 19 anos, foi visitar o irmão médico em Londrina. Por lá, conheceu um bar e decidiu que queria ter um igual. Em agosto de 1983, inaugurou o Zanzibar, na Av. Duque de Caxias, 11-82.
Anúncio do Zanzibar (foto: Reprodução/Facebook Histórias de Bauru)
“Sempre fui cliente dos bares, e queria experimentar o outro lado. Quando voltei de viagem, logo montei o Zanzibar e foi uma ótima experiência. Saí do banco seis meses depois e foquei no bar”, comenta João.
João Cabreira recebe homenagem na Câmara Municipal de Bauru (foto: Pedro Romualdo/Câmara Municipal de Bauru)
Desde então, João coleciona baladas criadas em diferentes pontos de Bauru. Entre os erros de quem começou aos 19 anos e a intuição que o fez ter nomes de sucesso na cidade, o empresário teve – entre locais e reformas – 28 casas noturnas no currículo, diversos finais de semana de festa e muitas madrugadas acordado.
João também curtia as festas, como essa no Tequila (foto: Reprodução/Facebook Histórias de Bauru)
João Cabreira em balada (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
“Eu sempre tive a cabeça de empresário, mas aproveitando as festas. Até hoje eu fico aqui no meu escritório com um uísque na mão vendo tudo”, comenta.
Quatro décadas depois, relembrando a trajetória e ainda longe de pensar em parar, perguntei o que ele falaria para o João de 19 anos querendo entrar no cenário de baladas. A resposta é de quem realmente ama a noite: “Vai que é bom!”
Entrada do Camarim (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
Camarim, a primeira balada
Com exceção do Zanzibar e de alguns estabelecimentos que funcionaram por pouco tempo, a aposta de João sempre foi em baladas, ou seja, locais com festas, horários estendidos, área para dançar e música alta. A primeira casa noturna foi o Camarim, na Praça Rodrigues de Abreu.
O empresário – junto aos sócios Adnan Shahateet e Feres Shahateet – comprou o local em 1986, três anos depois de abrir o bar na Av. Duque de Caxias.
Camarim (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
Camarim (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
A balada tocava de house e disco a pop nacional, como Tina Turner, Bee Gees e Tim Maia. O cenário era marcado por ambiente escuro, luzes de discoteca e decoração chamativa, inclusive com uma cama no meio do local. “O Camarim marcou uma época, porque quase não existia boate em Bauru”, relembra João.
O Camarim se transformou em referência de balada na cidade, sendo tema de gravações na época. A fama continua até os dias de hoje com reportagens e postagens de bauruenses relembrando a balada.
Outra prova da relevância era a presença de famosos, que se apresentavam em Bauru e depois iam curtir o pós-show na boate, como o Barão Vermelho, RPM, Legião Urbana e Capital Inicial.
Anúncio do Camarim (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
“Acontecia várias vezes. Eles faziam show na Luso, por exemplo, aí saiam de lá umas 23h30 e iam para o Camarim. O Paulo Ricardo, uma vez, até cantou algumas músicas depois de um show. O Barão foi outra banda que também deu uma canja na madrugada. Os caras eram muito legais”, conta Cabreira.
João Cabreira com integrantes do Titãs (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
Cada ano um enredo diferente
Quatro anos depois do Camarim, João já partiu para a próxima balada. Aliás, essa é a marca da trajetória Cabreira: sempre ter uma nova balada. “A noite é igual Carnaval. Todo ano é uma enredo diferente”, explica.
“As tendências mudam e você se adapta a elas. A noite tem um tempo de saturação, por isso, você precisa saber a hora de seguir em frente”, diz ele, esclarecendo que já encerrou baladas que atraiam um bom público.
Nesse sentido, Cabreira diz que a noite tem três segredos: a hora de abrir, a hora de fechar e a localização. Neste ponto, ele relata as diferentes épocas da boêmia de Bauru.
A cidade já teve o Centro – especialmente a Rodrigues – como o coração da cena noturna, com a Stalos e o bar G Petisco. Em outros tempos, foram a Duque de Caxias, período de abertura do Armazém (1980), e a Av. Nações Unidas com choperias.
Desde os anos 2000, o Altos da Cidade e a Av. Getúlio Vargas centralizam a noite bauruense, com bares desde o Bendito Santo, perto da rodovia, ao Vossa Breja, próximo à Praça Portugal. Entre eles, uma distância de quase 3km com uma variedade de bares pelo caminho.
Quase 30 baladas
A filosofia carnavalesca explica porque o empresário soma quase 30 baladas criadas no currículo. Depois de Zanzibar e Camarim, Cabreira já teve espaços como Bar do Francês (1993), Maria Bonita (1997), Carmen (1999), Havana (2004), Live Disco (2005), Stage (2007), Santa Madalena (2008), Live (2009), 212 Club (2013), entre outros.
Entrada da balada Santa Madalena (foto: Reprodução/Facebook)
Nesse processo de renovar os espaços, explorou o que era possível colocar em prática nas baladas. Com dois ambientes e música eletrônica, a Cachaçaria do Jão (1993) parecia pequena perto dos sete ambientes e capacidade para 2,5 mil pessoas do Villa Madalena (2001).
Já de ambientação, alguns exemplos foram o Tequila (1994) com decoração mexicana, dança em cima do balcão e tequileiros, e o Bangalô (2002), no qual a inspiração veio da Índia com mesas para sentar no chão.
Entrada da Live (foto: Reprodução/Facebook Sampa Bauru)
Atualmente, Cabreira é dono do Sampa (2013), que completa 10 anos em 2023, a balada mais longeva do empresário. O local surgiu como atualização do Santa Madalena, para ser um espaço que abre cedo e tem música ao vivo pela madrugada. Atualmente, a marca do Sampa é ser eclético, misturando noites com pop rock, samba, funk e sertanejo.
João Cabreira conta história de como ‘descobriu’ o Sambô
Como criar uma balada?
A maior habilidade de João Cabreira é conceber baladas, o que exige pensar em espaços “aconchegantes”, como ele alerta, e observar o clima da época, sempre conversando com os clientes.
Para isso, ele, primeiramente, confia na própria intuição. A maior parte das baladas – incluindo decoração e música – foram desenvolvidas sem envolver arquitetos ou outros profissionais e teve o próprio empresário colocando a mão na massa. O famoso cachorro brilhante que enfeitava o Camarim, por exemplo, foi uma ideia de João.
Cachorro brilhante do Camarim está no Sampa
Entretanto, é claro que existe a inspiração em outros lugares, adaptando à realidade de Bauru. Além de várias baladas em São Paulo, Cabreira procurou inspiração em países como México, Holanda e África do Sul. Uma viagem a Cuba, por exemplo, o fez criar o Havana assim que voltou para Bauru.
“A primeira vez que fui para Cancún, eu peguei e tirei fotos dos pés de uma mesa legal numa boate. Pessoal achava que eu ‘tava’ louco, mas eu sabia o que ia fazer com a foto. Eu tirava a foto para não esquecer”, relembra.
Para combinar a intuição com as referências, Cabreira pensa em como chamar a atenção, seja com a cadeira de barbeiro que rodava após alguém beber, colocar uma piscina e banheira nas festas ou tentar replicar um bairro de São Paulo no Villa Madalena. A ideia é chegar a um resultado: ser comentado. “Se você fizer um negócio na balada e não fazer a pessoa sair falando sobre a festa, você se torna uma casa noturna igual às outras”, conclui.
Um dos segredos de João Cabreira é chamar a atenção, como essa festa do circo na 212 (foto: Arquivo/Social Bauru)
Vivendo na noite
Na galeria de nomes que moldaram a noite de Bauru, João Cabreira é uma das lendas – apesar de não concordar com o termo. Em 40 anos de trajetória, ficou parado apenas dois meses, além de ter passado um ano e meio na gerência da Cervejaria dos Monges (trazendo shows como Rita Lee e BB King).
Segundo ele, que já abriu franquias em São José do Rio Preto, a noite de Bauru é uma das melhores do interior de São Paulo em relação a casas noturnas. O que ele não afirma, mas fica claro nessa história, é que Cabreira foi um dos personagens que garantiu essa vida noturna.
Talvez outro motivo da aversão ao adjetivo ‘lenda’ é porque continua ativo. Ele garante que o Sampa não é sua última balada, pois já tem nome, localização e marca do próximo espaço. “Não quero sair da noite. Como diz a lenda, vou morrer atrás de um balcão”.
Camarim (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
Camarim (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
Camarim (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
Barão Vermelho no Camarim (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
Oswaldo Montenegro no Camarim (foto: Acervo Pessoal/João Cabreira)
Copo do Maria Bonita (foto: Reprodução/Facebook Histórias de Bauru)
Por dentro do Santa Madalena, balada de João Cabreira (foto: Arquivo/Bauru na Balada)
212 Club (foto: Arquivo/Social Bauru)
Boneco do João Cabreira em seu escritório