Era sexta-feira, 11 horas da manhã. Sentados em volta da mesa no escritório do Social Bauru, na Vila Aviação, pensávamos em pautas para serem abordadas ao longo da próxima semana.

Conversa vai e vem, sugestões acatadas, outras não, até que um questionamento cai sobre a roda: quantas ruas, edifícios e espaços preservam a história ao homenagear mulheres como patronesse? 

“Tem a rua Irmã Arminda”, informa Juliana. “Rua Maria José, aquela que corta a Duque na altura do Confiança Nações e Bar da Rosa”, aponta Vinícius enquanto fita a internet. “Tem uma rua perto da minha casa, achei enquanto procurava por um nome feminino no mapa esses dias”, completa Raphael.

Abri o mapa online, olhei diversas ruas, consultei minha memória sobre os locais que frequento e adivinha? Apenas homens. Até nome de flores, datas comemorativas e unidades federativas saem na frente de nós, mulheres.

“A maioria desses locais homenageiam os homens porque a história era sempre contada por homens, e por homens que não davam o devido protagonismo às mulheres”, informa Fabiana Rocha, historiadora, diretora da Divisão de Museus e Memória de Bauru e uma das responsáveis pela coleta de informações para esta reportagem.

A ideia de nomear ruas e espaços com nome de pessoas e personagens importantes ganha força após a proclamação da República.

Seja lá atrás ou aqui agora, ser patrono é mais do que simplesmente nomear um local, mas trata-se da construção de identidade que, além de ser resultado de um processo cultural, é um processo político.

“A intenção dessas nomeações é problematizar, é fazer uma provocação ao público para que saiba um pouco mais sobre a história dessas mulheres, explica Fabiana.

Para auxiliar na construção de uma cultura e identidade com mais equidade, neste 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres, vamos apresentar um pouco sobre algumas patronesses de Bauru.

Angelina Waldemarin Messenberg

Você já foi na galeria Angelina Waldemarin Messenberg? É a galeria que reúne obras e exposições dentro do Centro Cultural “Carlos Fernandes Paiva”.

Foto: Guilherme ColosioCentro Cultural “Carlos Fernandes Paiva” (Foto: Guilherme Colosio)

Considerada umas das artistas mais importantes da cena bauruense, Angelina é patronesse do local desde 2003.

“Ela teve uma contribuição deveras importante, notória em relação às artes visuais aqui. Então, nada mais justo que uma pessoa que teve essa contribuição tão grande dar nome ao espaço de artes visuais”, afirma Fabiana ao explicar como Angelina tornou-se patronesse.

A história de Angelina começou em 1916, na zona rural de Capivari, onde nasceu e cresceu em contato direto com a natureza. Aos seis anos de idade, passou a demonstrar aptidão artística. Não demorou muito para começar a se destacar nas disciplinas de artes e em concursos do ramo.

Foto: divulgação/ Divisão de Museus e Memória de Bauru

Durante o início da carreira, teve algumas dificuldades, mas não desistiu. Em 1945, elaborou a primeira exposição e recebeu um retorno positivo da crítica.

A partir daí, Angelina começou a ascender na carreira. Expôs na Galeria Itá, em São Paulo, e participou de Salões em Campinas. Manteu uma escola de pintura, casou-se com Mário Messenberg e mudou-se para Santos em 1947. Lá, ensinou pintura e inseriu-se na cena cultural da baixada a ponto de ser responsável pela criação do Salão de Belas Artes de Santos.

Em 1953, veio para Bauru, onde começou a lecionar aulas de pinturas na própria casa. Mais tarde, as classes migraram para o porão da Catedral do Divino Espírito Santo, situada na Praça Rui Barbosa.

Durante todo tempo em que residiu no município, Angelina Messenberg participou ativamente da vida artística local.

Além disso, ficou conhecida por exposições e recebeu vários prêmios. Dentre as obras de destaque, os quadros “Frevo” e “Samba”, que foram expostos no V Salão Internacional em Nice, na França.

Em 1981 recebeu o título de cidadã bauruense pela Câmara Municipal, por conta do forte incentivo à arte no município. Cinco anos depois, faleceu.

Exposição Semana 22 na Galeria Angelina Waldemarin Messenberg.

Em 2003, foi aprovado o projeto de lei que nomeou a Galeria Angelina Waldemarin Messenberg.

Celina Lourdes Alves Neves

O mesmo Centro Cultural que tem a Galeria Angelina W. Messenberg abriga o Teatro Municipal “Celina Lourdes Alves Neves”, uma homenagem à atriz, diretora e professora.

A história dela começa com a paixão pelas artes cênicas. À frente do próprio tempo, em 1958, Celina fundou o grupo folclórico Luso Brasileiro.

Foi responsável pela criação do Grupo Teatral Gil Vicente, que lançou personalidades brasileiras, e pela Federação Bauruense de Teatro. Junto com outros incentivadores, fundou a Confederação do Teatro Amador do Estado de São Paulo (COTAESP).

Celina continuou com as atividades artísticas mesmo com a ditadura militar ao lado do filho, Paulo Neves, que começou a atuar como autor e diretor teatral.

Além dessas atividades, Celina foi escritora e colaborou com os jornais Correio da Noroeste, Folha do Povo, Voz de Portugal, Correio Paulistano e Jornal da Cidade. Neste último, manteve a coluna “Bom Dia Bauru” durante 30 anos.

Celina dedicou anos da própria vida à docência. Passou por instituições como Escola Progresso, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e Escola Pequeno Trabalhador.

Umas das frases que marcou a vida da atriz, diretora e professora foi esta de Pitágoras: “Eduquem-se meninos e não será preciso castigar os homens”.

Celina faleceu em 2000 em decorrência de problemas no coração.

Irmã Arminda

Itália Sbríssia, mais conhecida como Irmã Arminda, completaria 102 anos em 2022. Nascida em família humilde, no norte do Paraná, cresceu em meio a livros e brinquedos, com mais seis irmãos.

Aos 10 anos, já tinha decidido seguir o caminho religioso. Mais tarde, aos 15 anos, se inscreveu no Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus (IASCJ). Atuando como professora, iniciou a graduação em Letras Neolatina e em Ciências Religiosas pelo Instituto Sedes em Sapientiae.

Com vida acadêmica e profissional agitada, Irmã Arminda não parou ali. Fez diversos cursos na Itália, habilitou-se em Educação Profissional na USP e viajou para outros países em busca de aperfeiçoamentos.

Foto: divulgação/Unisagrado

Ela foi peça fundamental para a construção e consolidação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do Sagrado Coração (FAFIL), inaugurada em 1953, tornando-se a primeira diretora da organização, que hoje faz parte da Unisagrado.

Ao longo da vida, a Apóstola foi professora, auxiliar de professora, educadora profissional e diretora de faculdade. Faleceu em 1965, em virtude de um câncer. Hoje, é homenageada como patronesse da rua em que fica o Unisagrado, deixando um legado no campo da religião e educação.

Mary Dota

Nomeando o maior núcleo habitacional de Bauru está Mary Nair Matheus Dota.

A bauruense fazia parte de uma família ligada ao ramo hoteleiro na região. Entretanto, encontrou nas causas sociais uma maneira de levar a vida.

Graduou-se em psicologia e pedagogia, por conta disso, promovia constantemente campanhas e atividades educacionais e de lazer para pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Além disso, Mary Dota era casada com o político Milton Dota.

Foto: reprodução/TV TEM

Em 1983, a professora começou a trabalhar na Companhia de Habitação Popular de Bauru (Cohab). Durante uma de suas viagens de trabalho à Brasília para acertar trâmites da viabilização do núcleo habitacional que hoje leva o nome dela, Mary e Milton sofreram um acidente de carro. Ela não resistiu e faleceu.

Em novembro de 1989, cinco meses depois do acidente, a bauruense foi homenageada como patronesse do Núcleo Habitacional Mary Dota.

Maria de Souza Campos Artigas

Maria de Souza Campos Artigas nomeia o Centro Cultural situado no campus Universidade de São Paulo (USP) de Bauru.

O local, dedicado à arte e à cultura, foi criado em março de 1991 e homenageia Maria Artigas, personalidade que dedicou a vida à literatura e à pintura.

Foi autora de nove livros infanto-juvenis, como “A Cidades das Abelhas”, “A Vida do Bicho da Seda” e “E Aconteceu o Presépio”. Também participou de obras e coletâneas.

No ramo da pintura, produziu mais de 500 telas, normalmente voltadas às figuras, paisagens, flores e cavalos. Assim, expôs em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paris e recebeu diversos prêmios e menções honrosas.

Além disso, se dedicou à promoção de eventos teatrais com e para jovens com deficiência visual e internados no Instituto Padre Chico.

Maria de Souza Campos Artigas partilhou a vida com Paulo de Toledo Artigas, um dos pioneiros da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), mesmo local onde fica o Centro Cultural que hoje leva o nome dela. A artista faleceu em 31 de março de 1990.

 

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