A história de como Bauru tem um pedaço de Lima, capital do Peru, começa com uma perda. Há cerca de 15 anos, Amador Echevarria perdeu o pai, que era dono de três restaurantes na cidade peruana, para o câncer.

Ele era uma inspiração de luta para o chef peruano. Nos anos 1970, quando Amador era criança, o pai foi expulso da terra que tinha na região dos Andes e quase morto após um golpe de estado. Ele e os cinco filhos saíram de lá apenas com a roupa do corpo e um caminhão – que chegou a ser a ‘casa’ deles por cerca de dois anos – a caminho de Lima.

Após trabalhar com transporte de cargas usando o caminhão, o pai dele resolveu abrir uma barraca para vender comida na rua, vendendo anticucho (espetinho de coração de boi, tradição pré-colombiana no Peru) e tripas na grelha. O serviço começava às 16h e terminava por volta das 5h.

Uma decisão do poder público de proibir comida na rua o obrigou a abrir um restaurante: o ‘Surco Tradicion, nome de uma região turística de Lima com forte gastronomia devido à influência italiana. Já nessa época, Amador foi aprendendo a cuidar de um restaurante, tanto no caixa, quanto na cozinha.

Com a morte do pai, Amador reuniu os quatro irmãos e combinou da família assumir as três unidades do restaurante, que existem até hoje. Se no início o foco do chef era administração, aos poucos foi entrando na cozinha, desde lavar pratos até comandar a churrasqueira.

E é nesse momento que começa oficialmente a relação do Amador com o fogão. Enquanto desenvolvia a habilidade no Surco Tradicion e comandava os restaurantes, fez faculdade para aprimorar as técnicas da gastronomia.

Cozinha peruanaFoto: Reprodução/Instagram

Por que mudar para Bauru?

Outra característica para entender o Amador é o empreendedorismo. “Com esse espírito, eu comecei a pensar em alternativas, porque o mercado do Peru estava saturado”, diz ele, mostrando como o pensamento empresarial também faz parte do estilo de trabalho do chef. Ao invés de pensar em abrir uma quarta unidade lá, abriu os horizontes para outros lugares.

A escolha por Bauru veio como uma sugestão dos cunhados, que vieram fazer especialização em medicina no Rio de Janeiro. “Minha cunhada conheceu uma turma de médicos aqui de Bauru, e soube da construção de um hospital. Além disso, ela falou que esses médicos iam ao Peru para congressos, e voltavam elogiando a comida. Aí que ela falou para eu abrir um restaurante aqui”, diz.

Em 2017, um ano após vir sozinho para conhecer a cidade, trouxe a mulher Colômbia Judite, e os filhos Alejandro (14), Ana Maria (11) e Carolina (11) para morar em Bauru e abriu o Perú Tradicion. Além disso, fazia trabalhos extras, como jantares especiais para o consulado do Peru em São Paulo, que o convidava porque ele conseguia fazer um carneiro e porco igual como é no Peru.

De início, o restaurante dele servia apenas ceviche, o prato mais famoso do país, e tinha uma clientela de médicos da cidade. A cada nova sugestão e a chegada de um novo cliente, a lista de pratos ia aumentando.

“Vinha alguém e falava: tem alguma coisa com arroz? Claro! Coloquei Chaufa. Quer com porco ou frutos do mar? Ia ‘pro’ cardápio! Aí depois vinham perguntando se não tinha um frango. Fiz um frango grelhado, e pronto, cardápio! Fui agregando pratos de acordo com a conversa com os clientes”, diz.

Comida para unir as pessoas

A proposta de Amador para o Perú Tradicion é baseada em dois conceitos principais. O primeiro é ver a cozinha como uma forma de reunir as pessoas. “Hoje em dia, é só na mesa do café, almoço ou jantar que você está com a família. Esse é o momento de todos se falarem. Eu quero esse princípio, de comida feita para a união”, comenta.

Para colocar em prática, Amador gosta de conversar com os clientes, perguntar as preferências e, principalmente, lembrar dessas preferências! Se a pessoa pede sem cebola ou menos ardido uma vez, o chef faz questão de aplicar o pedido na próxima visita.

“Quando você vai a um restaurante, e o chef cozinha especialmente para você, como você quer, sem você falar, como você se sente? Feliz! ‘O chef está lembrando de mim’”, diz.

Cozinha típica peruana

O segundo conceito é a autenticidade, começando por fazer todos os processos, comprar insumos naturais e usar ingredientes populares no Peru. A ideia é fazer da mesma forma que no país natal dele. “Sem invenção. Cozinha típica peruana. Se você comer um lomo aqui, vai ser igual ao do Peru”, garante.

Isso significa também fazer pratos que ele comia em Lima aqui em Bauru. Por isso, oferece opções tradicionais como o ceviche (ainda o prato mais procurado do restaurante), lomo saltado e causa a limeña. Além disso, tem pratos de lá também comuns no Brasil, como tallarin saltado.

Cozinha peruanaFoto: Reprodução/Instagram

Uma dica é ficar de olho no anticucho (sim, a primeira iguaria vendida pelo pai dele), um prato difícil de encontrar no cardápio, pois o fornecedor entrega só um dia por semana. “Tem cliente que liga e já reserva tudo! Chega na quinta, e na sexta já acabou. Aí tem que esperar mais uma semana (risos)”, conta.

Cozinha peruanaAnticucho (foto: Reprodução/Instagram)

Tudo no restaurante é uma forma de celebrar o país de origem de Amador. Até a cerveja que tomamos durante a entrevista – que, como bom anfitrião, ele fez questão que nós experimentássemos – veio de lá, assim como a decoração conta um pouco da história e tradições do país.

Cozinha peruana no Brasil

Portanto, é realmente como um pedaço do Peru – que tem uma das gastronomias mais reconhecidas no mundo, inclusive com restaurantes peruanos entre os melhores – aqui em Bauru.

Claro, algumas pequenas mudanças precisam ser feitas para agradar o paladar dos brasileiros, especialmente por usar menos coentro (ingrediente pouco usado no Brasil) e pimenta. É neste ponto que Amador vê a maior diferença entre os países. Lá no Peru, a pimenta é variada e usada para ser mais forte. “Eu demorei um ano para acertar os pratos ao paladar brasileiro”, comenta.

Ainda assim, ele faz um esforço para ter fornecedores que trazem os insumos mais próximos possíveis do país vizinho, desde o peixe vindo de Santa Catarina até os temperos no geral.

“Em São Paulo, conheço uma rua de peruanos e bolivianos. Por lá, eles vendem produtos peruanos para fazer as comidas. Quando eu preciso, eles enviam vários tipos de pimenta, milho roxo, entre outros ingredientes que eu preciso”, conta. 

Vida em Bauru

Apesar da mudança de uma cidade agitada que fala espanhol para uma cidade tranquila do Brasil, a adaptação dele foi rápida. 

Isso porque, antes de assumir o restaurante do pai, Amador trabalhava para o Ministério de Cooperação Internacional da Alemanha, por isso, viajava para vários países da América do Sul. Estar em contato com diferentes realidades já fazia parte da vida dele.

As conversas com os irmãos no Surco Tradicion em Lima são constantes, não só para matar a saudade e saber do restaurante, como também para não perder a essência da culinária do Peru. 

Já a família dele aqui está adaptada tanto pelo idioma, com os filhos indo bem no português, quanto pelos pratos locais. “Uma das minhas filhas adora o prato com arroz, feijão e carne (risos). Já o Alejandro adora um churrasco”, exemplifica, embora diga que na casa deles, os pratos peruanos e colombianos – país de origem da esposa – sejam os mais pedidos pelas crianças.

Cozinha peruanaFoto: Reprodução/Instagram

Pessoalmente, o prato favorito aqui do Brasil é a feijoada, ele gosta de ir aos restaurantes do chef Moa, adora a culinária do Nordeste, participou do último Prêmio Impera e tem contato com os chefs da cidade, inclusive organizando eventos (o próximo será o jantar peruano no Bistrô L’entrecôte).

Foto: Reprodução/Instagram

Ainda assim, uma das atividades que mais gosta em Bauru é acordar cedo para ir ao Ceasa escolher os ingredientes para o Perú Tradicion. “E nada de rapidez, eu gosto de olhar cada produto com calma, porque faz a diferença no prato. Por exemplo, eu preciso de limão ácido para o ceviche, então olho bem um por um, porque muda o prato. Faço questão de ter esse cuidado”, finaliza.

Conheça mais sobre o Perú Tradicion pelo Instagram.

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