Qualquer um que minimamente goste de cinema já foi impactado por alguma obra do diretor norte-americano Martin Scorsese. No auge dos seus 80 anos entrega um dos seus melhores filmes. Provavelmente o melhor filme de 2023, talvez seja a empolgação, mas acho difícil um filme a esta altura do ano chegar tão longe assim. Um filmaço, literalmente.

Já falamos do diretor aqui na coluna, com um especial sobre sua carreira com várias indicações e onde encontrar seus principais filmes espalhados nas plataformas de streaming hoje no Brasil.

Quatro anos após lançar o excelente “O Irlândes”, produção exclusiva Netflix, Scorsese volta agora com uma adaptação inspirada no best-seller homônimo do escritor David Grann e também baseado em uma história real.

O ano é 1920, na região norte-americana de Oklahoma. Misteriosos assassinatos acontecem na tribo indígena de Osage, uma terra rica em petróleo. O caso foi investigado pelo FBI, a agência que tinha acabado de ser criada na época. Os assassinatos dados a partir de circunstâncias misteriosas assolando os membros da tribo Osage acaba desencadeando uma grande investigação envolvendo o poderoso J. Edgar Hoover, considerado o primeiro diretor do FBI.

Um dos pontos fortes e que mais chama a atenção é o seu elenco poderoso, encabeçado pelo protagonista Leonardo DiCaprio, que dupla com a até então desconhecida Lily Gladstone, que entrega uma atuação formidável roubando a atenção para si quase todo o tempo em tela.

Robert De Niro, excelente como sempre, mas vale o destaque para Jesse Plemons, que talvez seja pouco lembrado aqui no Brasil, mas, tem em seu currículo, filmes como “Ataque dos Cães”, “Vice” e o próprio “O Irlândes”, além de participação em “Breaking Bad”. Nosso querido Brendan Fraser, que apesar de ser um pouco discreto, está em sua melhor forma como ator.

A trilha composta pelo Robbie Robertson, (que inclusive faleceu este ano em agosto) é amigo pessoal do Scorsese e já trabalharam em outros filmes como: Touro Indomável (1980), Ilha do Medo (2010), O Rei da Comédia (1982) e O Irlandês (2019). A trilha aqui para Assassinos da Lua das Flores é melancólica e tensa, que dá o tom da própria história em uma crescente de violência e morte. Baita acerto e que pena pela sua recente morte.

O filme é dividido em três atos, sendo o primeiro para introduzir o contexto, a tribo e os personagens principais. O ideal era você saber um pouquinho sobre a história para não ficar tão perdido, apesar de ser autoexplicativa, a história é muito regionalizada.

O segundo ato começa com a crescente onda de assassinatos e o terceiro, o mais “lento”, é focado nas consequências e no julgamento. Gosto do ritmo no geral, mas entendo certos bocejos durante a sessão, realmente não é um filme para um grande público ou até mesmo para as salas de cinema. Afinal, colocar um filme de quase quatro horas em cartaz é ter menos sessões durante o dia, e por consequência, menos público.

Assim como o próprio Scorsese fez em “A Invenção de Hugo Cabret”, a cena final é uma grande homenagem à indústria e com um leve toque para as antigas rádionovelas. É uma cena que destoa de todo o filme, mas é muito simbólica.

Sem dar spoilers: a última cena é de um bom gosto absurdo. Beirando uma certa redenção com pedidos de desculpas para tudo o que aconteceu com a tribo Osage.

História real

Essa série de mortes ocorreu principalmente nos anos 1920, no estado americano de Oklahoma. Os integrantes da tribo Osage tiveram suas vidas ceifadas por conta de ganância, dinheiro e racismo ao longo deste período, que recebeu o nome de “Reino do Terror”. A tribo Osage se originou no estado americano de Ohio e nos arredores do Rio Mississippi.

Assim como outros povos indígenas americanos, foram forçados a se mudar de seu local de origem algumas vezes. No final do século 19, eles se estabeleceram na Reserva Indígena Osage, que fica em um território onde, hoje, se encontra o estado de Oklahoma. Seus membros fizeram um acordo com o governo americano no qual se tornaram os proprietários legais destas terras – que eram montanhosas e pouco férteis, mas sob a expectativa de afugentar os colonizadores.

Nestas negociações, os Osage também receberam outro benefício do governo americano: quaisquer fontes minerais que fossem encontradas na reserva seriam de propriedade da tribo.

Quando o acordo foi finalizado, tanto a tribo quanto o próprio governo americano já sabiam que o local contava com algumas reservas de petróleo. No entanto, várias outras foram descobertas com o passar dos anos. Por conta disso, assim que os anos 1920 começaram, os Osage eram considerados o povo mais rico do planeta.

A descoberta de grandes reservas de petróleo não atraiu apenas empresas à reserva, mas também muitas pessoas oportunistas que queriam “passar a perna” nos Osage e se aproveitar da riqueza deles a qualquer custo. Muitos dos membros da tribo se casaram com pessoas de outras etnias.

No fim das contas, vários desses guardiões eram empresários e advogados brancos, que se aproveitaram desta situação legal criada pelo governo para desviar as fortunas dos membros da tribo. Não demorou muito para o número de óbitos ir aumentando, com vários integrantes da tribo sendo executados ou envenenados.

Apenas em 1925 que as autoridades se mobilizaram para botar um fim ao que vinha ocorrendo na reserva. J. Edgar Hoover, o primeiro diretor da organização que mais tarde se tornaria o FBI (a polícia federal americana), enviou um agente até Oklahoma para investigar as mortes.

Com o decorrer das investigações, White e sua equipe logo chegaram à conclusão de que boa parte das mortes estavam ligadas a um nome: William Hale, um criador de bovinos que se mudou para a reserva e se tornou uma pessoa influente no local (no longa, ele é interpretado por Robert De Niro). Sem dar spoilers, mas toda a trama do filme se passa exatamente no momento do início das investigações.

Assassinos da Lua das Flores é um filmaço, em todos os sentidos, afinal, não é para qualquer um encarar quatro horas de filme. Mas garanto que valerá cada minuto. É uma ode ao cinema e mostra o quão grandioso Scorsese é e representa para a indústria. Adianto que não é um filme “para todo mundo”, alguns podem achar entediante, outros apenas chato. Mas é uma experiência acompanhá-lo. Cinema com C maiúsculo!

Direção, atores e montagem brilham. Forte concorrente em todas as premiações em 2024. De uma história trágica de terror e assassinatos, o desenrolar do mais profundo abismo moral que o ser humano pode chegar em busca de poder e dinheiro.

O tempo todo enquanto acompanhava o filme, uma citação de Carl Sagan ficou batendo em minha cabeça,e acredito que ela representa muito bem a ganância em sua maior plenitude “…os homens que tentam ser mestres temporários de um fragmento de um ponto…”.

E pensar que neste final de ano ainda teremos Ridley Scott, Michael Mann e David Fincher, o cinema respira fora dos filmes de super-heróis.

Assassinos da Lua das Flores, 2023
Veredito: 5/5
Onde assistir: nos cinemas
Direção: Martin Scorsese
Agregador no Rotten Tomatoes: 95%
Avaliação IMDB: 8,6/10

Confira mais textos do colunista: www.socialbauru.com.br/author/gabrielcandido

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