Eu estou voltando, confirmo sim, mesmo quando viajo para longe, quando estou a quatrocentos quilômetros de distância, quando eu penso, eu estou voltando, eu volto, sempre volto, porque partir também é o início de voltar, ir e vir, eu estou voltando, eu lembro, Bauru, a minha cidade, a minha referência, o meu texto, o meu nome, a forma onde guardo tudo um pouco, eu sempre quero voltar, mesmo quando não volto, mesmo quando não volto nunca mais, quando não quero mais saber, quando te esqueço, quando nego a sua existência, quando te excluo, quando me escondo, quando fico sem palavras, quando clamam a minha origem, quando digo o meu nome e a cidade de onde estou falando, Bauru continua no mesmo lugar, faz tanto tempo, eu sei, eu que ainda sou aquilo que se move, inconstante, a incongruência, a presença e a ausência, um ser vivo, o movimento, aquele que duvida, aquele que vira e mexe tem saudade, aquele feliz, aquele que subiu no trem da juventude, que trem me movimenta, “como se ter ido fosse necessário para voltar”, é tão interessante voltar, o regresso, retroceder, recomeçar, relembrar aos pouquinhos, paulatinamente, trocar as cores novas pelas velhas, os tons, os detalhes, como trocar as lentes dos óculos, olhar pelo retrovisor, ler fotografias, quebrar a casca do ovo, o ovo voltar à galinha, um piu de felicidade, sorrir, tantas memórias, tantas vidas, o ovo atravessa a rua da cidade, às vezes desamparado, às vezes acolhido, às vezes sente-se em casa, às vezes sente-se em Itaquaquecetuba, às vezes sente-se na calçada para observar a vista, a cidade às vezes continua a mesma, a cidade muda, em um sussurro extravagante, nenhum piu, eu tenho saudade, o silêncio instrumental, o nada, o sono, eu mudei, emudecido no ato, procurei sem querer encontrar, qualquer rodoviária, pessoas estranhas, rotas, eu me mudei, não sei, eu tenho as minhas dúvidas, qual é a sua cidade de origem, eu estou aqui de passagem, desta linha para a próxima, o próximo ônibus, ultimamente não tenho tido tantas certezas, me apoio nas dúvidas, olho para as estrelas, confesso, eu acho, e lembro tanto a minha cidade que quase me esqueço, amanhã eu esqueço e, novamente me lembro, recordo as pedrinhas de brilhante, eu amava essa rua, essa rua já foi minha, da minha vida, e o google maps não basta, o google não busca, o passado, a rua da minha ida, toquei a sua campainha, bati na porta do amanhã, descer rolimã, compramos uma lata de tinta branca e desenhamos uma quadra de futebol sobre o piche, pare, aquela placa de pare, a minha casa, a casa da imaginação, eu nasci aqui, nesta rua, eu nasci na mesma rua em que o meu pai nasceu, com uma diferença de trinta e quatro anos, uma rua na fase adulta, faço uma lista com os nomes de ruas onde bebês nascem, ou ainda uma lista de nomes de ruas de cemitério, há alguma semelhança (aqui, uma pergunta), onde nasci há um rio homônimo à cidade, um rio que te atravessa, um dia vi um carro cair neste rio, travessia, um dia de fúria, esta rua é uma travessa, um dia submerso, um dia sob um verso para alguma ideia que ainda boia, bois na faixa de pedestre, um copo cheio ou meio vazio, eu não me afobo, quanto da minha cidade viaja comigo, meus bolsos vazios, a mala, a memória, ela deixa a gente, diz a que veio e vai se embora, para lá, para longe, esquece, a memória deixa a gente fugir da cidade e ainda aproximar-se dessa, eu me lembro, mesmo uma carta a Bauru, escrita à mão, um pensamento em papel, dobrá-lo, selá-lo, e ele viaja, viaja, viaja por você, uma noite volta em sonho, como um pássaro noturno, um grito, e quando você pensa a cabeça é uma caixa de correio, cuja memória é uma carta que acabou de chegar, redigida pela vida, assinado vida, eu estou organizando uma outra lista, com nomes substitutos, para caso algum dia, morando fora, eu me esqueça do nome de Bauru, se você quiser eu posso te enviá-la em carta, o vento sopra um nome para a cidade, assim nascem os nomes, os ventos sopram nomes para onde quer que você esteja, o nome, mas esperem, aonde vocês pensam que vão, eu estou voltando, ainda não sei quando, nem por onde, ou mesmo por qual motivo, talvez seja segredo, mas esperem, esperar é preciso, me esperem para levar o lixo, para a reunião de condomínio, para estacionar o carro, atravessar na faixa, visitar meus pais, sair nos jornais, rever amizades antigas, amores perdidos, provar o lanche favorito, que não terá o mesmo sabor, me esperem para conhecer um novo prédio, um novo restaurante, uma nova forma de chorar ao por do sol, me esperem com novos hábitos, novas frases, outras coincidências, mais pares e ímpares, eu pensei que nunca mais fosse te ver, tudo será motivo para voltar, e também nada, me esperem, esperem pelo fim, esperem pelo recomeçar, esperem pela vida, me esperem, esperem o encontro com Deus, com as vicissitudes, com o amor, com o nome, com o ponto final.

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