Escolhido para representar o Brasil no Oscar em 2024, o documentário é uma aula de vida sobre paixões, Recife (sua cidade natal) e sua mãe. Com uma mistura de filmagens da época e atuais, o diretor faz uma reflexão sobre o cinema como arte e como modo de vida.

‘Retratos Fantasmas’ é um documentário brasileiro ambientado no centro do Recife durante o século XX. Ao longo de 1 hora e 33 minutos reunindo imagens de arquivo, fotografias e registros em movimento, o filme busca explorar a história do centro da cidade, contada a partir das salas de cinema que movimentavam a população e ditavam comportamentos. Tendo levado 7 anos para a sua conclusão, o documentário marca o retorno de Kleber ao Festival de Cannes – após vencer o Prêmio do Júri, em 2019, com Bacurau. Tratando do desenvolvimento urbano acelerado, o longa segue o ponto de vista da janela da casa do diretor, onde morou por vários anos.

O documentário escolhido concorria com cinco que foram pré-selecionados pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais entre 28 longas brasileiros. Alguns filmes como ‘Estranho Caminho’, de Guto Parente; ‘Noites Alienígenas’, de Sergio Carvalho; ‘Nosso Sonho – A Historia De Claudinho E Buchecha’, de Eduardo Albergaria; ‘Pedágio’, de Carolina Markowicz; e ‘Urubus’, de Claudio Borrelli. Por fim, o documentário será o representante brasileiro, tenho minhas dúvidas sobre uma eventual indicação, mas no fim, isso realmente importa?

A obra é dividida em três momentos, primeiro ele começa falando sobre sua mãe, historiadora, e da compra do apartamento em que morou e que mora até hoje, aliás, se você assistiu o filme ‘O Som ao Redor’, verá vários ambientes semelhantes.

O local foi modificado por ela, por seu irmão, arquiteto, e, indiretamente, pelos vizinhos. Para retratar essas mudanças, ele utiliza, entre várias ferramentas, gravações próprias. Dessa forma, está demonstrando suas memórias fabricadas naquele espaço físico. Durante a apresentação e evolução da casa, vai um paralelo ao próprio crescimento de Recife, e como aquela casa, de sua mãe, com o tempo, foi ficando ilhada em meio tanto condomínio e prédios… Olha o enredo de Aquarius aí.

Na segunda parte, Kleber direciona o seu “olhar” aos cinemas de rua e, a partir deles, traduz parte da história da cidade. Cita, por exemplo, a presença de um nazista e, depois, militar naqueles ambientes, em um processo da década de 30 aonde Recife e São Paulo eram regiões de interesse da Alemanha Nazista.

Nesse segmento, o espectador é apresentado a Alexandre, um carismático operador de projetor cinematográfico de uma das salas mostradas, e suas cenas são algumas das melhores de todo o documentário. Alguém que conseguiu enjoar de assistir ‘O Poderoso Chefão’.

Além dele, o cineasta faz referência a outros trabalhadores, o que cria uma atmosfera íntima e, de certa maneira, homenageia aqueles que contribuíram para a história desses cinemas, da cidade e, consequentemente, dele mesmo. No terceiro e último ato, o documentário foca na transformação do centro comercial de Recife que perdeu seu poder aquisitivo, assim como todas as cidades de grande e médio porte, onde o dinheiro passou a circular em regiões mais abastadas. E essa mudança transformou os cinemas de rua em algo extinto, com exceção do Cinema São Luiz, que resiste ao tempo. Aliás, para qualquer bauruense é impossível não lembrar do antigo CINE BAURU que encerrou suas atividades em 2008.

E ali se encerra a narrativa, fazendo um paralelo sobre sua vida, sua casa, os cinemas de rua e a cidade de Recife. Kleber Mendonça Filho se coloca na frente das câmeras e transporta o telespectador a entender e sentir sua alegria, nostalgia e melancolia. Mas acima de tudo, sua paixão pelo cinema.

Quem é Kleber Mendonça Filho?

Kleber Mendonça Filho é talvez o diretor mais influente da atualidade atuando no Brasil. Além de diretor, é produtor, roteirista e crítico de cinema brasileiro. Formou-se em jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco. Seu filme Bacurau, co-dirigido por Juliano Dornelles, conquistou o prêmio do júri no Festival de Cannes em 2019. Vive com a esposa e os dois filhos entre Recife e Paris.

Coleciona bons filmes e demonstra sua evolução cada vez mais constante, e em certos momentos, me ouso a colocá-lo como o sucessor de Glauber Rocha para o cinema brasileiro. Principalmente pela sua visão política e metáforas em seus filmes. Abaixo, algumas obras de destaque:

● O Som ao Redor, 2012

A vida dos residentes de uma rua de classe média do Recife toma um rumo inesperado quando uma empresa de segurança particular é contratada para trazer paz aos moradores. Para alguns deles, a presença dos guardas cria mais tensão do que alívio. Está na Netflix.

● Aquarius, 2016

Maravilhoso e polêmico filme que colocou Sônia Braga de volta aos holofotes brasileiro, que interpreta uma jornalista aposentada defendendo seu apartamento, onde viveu a vida toda, do assédio de uma construtora. O plano é demolir o edifício Aquarius e dar lugar a um grande empreendimento. Está na Netflix e Globoplay.

● Bacurau, 2019

Um dos filmes mais comentados em 2019, o filme que teve maior projeção de sua carreira, até então. É um retrato recheado de metáforas sobre o Brasil, com a sinopse: Pouco depois da morte da matriarca D. Carmelita, aos 94 anos, os habitantes de Bacurau, uma pequena vila situada no sertão brasileiro, descobrem que a localidade desapareceu dos mapas. Uma sucessão de acontecimentos insólitos leva-os a deduzir que se encontram sob ataque. Falta identificar o inimigo e criar coletivamente uma estratégia de defesa. Está no Globoplay.

Retratos Fantasmas é diferente de tudo que Kleber tem feito, por isso que merece o reconhecimento, é uma carta aberta ao cinema de rua. Talvez um telespectador desavisado que não tenha acompanhado seus filmes fique um pouco perdido, mas o mais importante está lá. Tudo tem sua importância, entre a saudade e a tristeza. A cidade, o centro, o cinema, sua casa e sua mãe.

Retratos Fantasmas, 2023
Veredito: 5/5
Onde assistir: Netflix
Direção: Kleber Mendonça Filho
Agregador no Rotten Tomatoes: 100%
Avaliação IMDB: 7,9/10
Trailer

Confira mais textos do colunista: www.socialbauru.com.br/author/gabrielcandido

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