Noite. Esta página em branco aqui é um clarão. Lua. Luz potente. Único foco em meu quarto. Fótons. Pequenos caracteres em preto, impostos à página luz, lembram a escuridão. Parede de edifício com ranhuras. Rasuras. O pretume em formas contrasta com a luz branca. Faz ler. Escuridão e clarão compõem este texto. Dão leitura. Formas de ver. A página única, branca como a lua, é o verdadeiro ponto de luz em meu quarto, enquanto escrevo. Da janela, vejo a lua, outra página em branco com algumas escrituras que uma vez, dizem os mais velhos, alguém fincou um lápis, tentando escrever um país. Uma pequena palavra para este texto, uma grande palavra para a humanidade: lua. Olho para lua, míope, tentando ler as suas inscrições. Falho. A distância é tamanha. Como desvendar o texto que está escrito na lua página? O que é considerado: palavras nos astros. Nuvens atrapalham a visão, lentes embaçadas de atitude egoísta — quem leu, leu. Quem não leu, a lua, fui eu. Olhar a longe lua e o seu fixo, cujo contraste está no mar, lembra o estado das coisas sob o noturno. Noturno do Bauru. Sua luz dá vida ao que se esconde, entre luas, entre linhas. Um posto de gasolina à beira da estrada. Poucos carros passam. O posto é uma das únicas luzes no ermo. Postes. Um ônibus com viajantes dá seta e acessa o posto. São duas horas da manhã e alguns quebrados. O motorista encosta as rodas na guia, desliga o motor e toma o último gole de sua garrafa térmica. O café frio. Passageiros descem do ônibus para uma parada rápida de poucos minutos, como este texto. Sofrem com a mudança de temperatura: mesmo noite, está um calor infernal. O ônibus: uma geladeira. Na calçada, um cachorro deitado sonha. Resmunga e rosna — um pesadelo. O horror. Uma mulher está sentada próxima ao cachorro, com uma mala vermelha. Tem o semblante de quem perdeu o caminho de volta… ou simplesmente desistiu dele por algumas horas. Em paz. Em alguns momentos, a lua se esconde. O cachorro mostra os dentes. O que há de mais extraordinário no posto é a sua loja de conveniências. Banheiros de banhos estranhos, com cheiros módicos, produtos duvidosos à venda, lanchonete com variados tipos de xis, entre frango, bacon e tudo. Conhecer um posto de gasolina às duas da manhã é transitar entre o que existe e o que está morto, o meio. A fresta. Porque todas as coisas assim estão: meio vivas, meio mortas. Na porta de entrada, uma máquina de catar pelúcias, cujas garras são moles como a vida às duas, toca uma melodia de circo, ruidosa das pilhas fracas. A sua luz é do colorido das placas de neon de motéis. Cinco reais são duas rodadas. Uma girafa abraça um orangotango. Uma moça de quarenta anos, com os cabelos oxigenados, apoia o cotovelo em uma bancada, com um chapeuzinho de marinheiro. Atrás dela, uma chapa longeva, cama dos presuntos, bifes, mussarelas e mortadelas. Mais para esquerda, uma série de mesas de madeira, avariadas, acompanham cadeiras empenadas. Sós. Tanta estória. As toalhas são vermelhas e brancas, quadriculadas. Descansam… O homem no caixa masca chicletes. Outro homem perto dos banheiros ri. Ele usa um discman e é alheio ao universo: esfrega o chão ao som dos fones de ouvido. Um astronauta. Nas prateleiras, pipocas carameladas de embalagem vermelha, caminhões em miniatura com estampas de marcas famosas, revistinhas e gibis. Um livro de capa branca tem letras garrafais: COMO GANHAR DINHEIRO. Aos poucos, a meia vida assume aquele quase lugar. As pessoas passageiras acessam o posto. Giram catracas. Sobretudo, preferem coxinhas de frango. O motorista fila um prato feito especial (e não está no cardápio). Faz companhia às cadeiras. O banquete do rei sozinho. Ele é feliz. É tudo muito rápido, tudo está de passagem. São flashes. A moça da chapa com uma espátula na mão… passa manteiga no pão. E deita as duas fatias. O estalo rompe o silêncio. Lá fora, alguém grita com a voz de tanto faz: passageiros com destino a São Paulo. Como se deslizassem, as pessoas evacuam o posto em uma cerimônia praticamente ensaiada.
Ninguém fala. O ônibus dá a partida. O posto volta à meia lua. Está pronta a minha lua inteira: esta página, cujas rasuras são minhas crateras, caracteras, letras, léteras, etcéteras.
Confira mais textos do colunista: socialbauru.com.br/author/sinuhelp.