Eu sou um grande fã de Chocotones. Sério! Quando chega o calorzinho típico do oriente médio aqui no centro oeste-paulista nessa época, o que me faz perseverar bravamente até o fim do ano é a certeza de que, muito em breve, delícias natalinas com gotas de chocolate pipocarão nas prateleiras, gôndolas, padarias, postos de gasolina e farmácias.

Descobrir o chocotone foi pra mim uma libertação de uma história de opressão de um doce que sempre cumpriu um papel nefasto nas festas de final de ano, o famigerado Panetone. Nunca vou esquecer a decepção que foi quando dei uma primeira mordida naquele pão cheiroso e de formato bélico e descobri que ele vinha recheado de, argh, frutinhas cristalizadas. Eu sei, eu sei… Muita gente adora frutas cristalizadas, e passas no arroz.

Nesses tempos de polarização, até a ceia de final de ano tem sido palco de embates entre o Tio que não abre mão da ceia tradicional e da sobrinha universitária que insiste em inovar. Enfim, nada contra quem gosta de frutas cristalizadas (eu até tenho amigos que gostam), mas pra mim não dá. Embora alguns defendam que frutas cristalizadas são uma expressão de individualidade e um preço a se pagar por um doce tão nobre, eu sou um cara que acredita na inovação, com inteligência.

Substituir frutas meio azedas, meio secas por chocolate foi uma sacada de mestre! Uma vitória das massas contra o tradicionalismo panificador. Todo o poder para os Chocotones!

Como tudo que é bom, a galera tem pesado a mão, roubando do chocotone uma importância quase histórica. A busca pela doçura extrema pode ser perigosa, e às vezes até meio cômica. Chocotone trufado de paçoca, gente? De novo, nada contra paçoca. Muito menos contra as trufas, mas não é pra mim. Até acho bonito ver uma Chocotonão recheado longitudinalmente, mas fico no meu chocotone levemente povoado de gotas de chocolate, mesmo.

Quando se trata de chocotones, sou meio reacionário, quem diria. Até a nomeclatura é estranha, né? Porque seria um Paçocotone? Trufopaçocotone? Não sei, talvez fosse mais fácil usar uma sigla. Mas de fato, a existência de misturas bizarríssimas como morango e doce de leite, ganache e cobertura de castanhas não me incomoda nem um pouco. Aprecio a pluralidade (e o sistema digestivo) de quem gosta. Principalmente, fico feliz que existam. Foi pela liberdade de inovar que surgiu o chocotone. Enquanto houver liberdade, outros deliciosos doces natalinos surgirão.

Apesar disso, a existência do Panetone nunca me incomodou. Não gosto, não como. Mas também não reclamo. Na casa que cresci, quem come de graça não reclama da mistura, e acho que isso deveria se aplicar aos nossos bons modos em festas de finais de ano. Afinal, tirar as frutinhas do arroz pode até ajudar a passar o tempo enquanto todo mundo espera no sofá chegar a meia-noite, em meio de papéis amassados de presente que serão reaproveitados pela avó. Em épocas como essa, acho que o ideal é celebrar a democracia, não a divisão. Panetones para quem é de panetone, chocotones pra quem é de chocotone e chocofrutitrufado gourmet com lascas de limão e recheio de paçoca e ganache branco com redução de cassis para quem… enfim, você entendeu.

Um outro grande evento democrático ocorre nessa época: As eleições, que ao contrário do natal ocorrem a cada dois anos (ainda bem, né? “Então é natal” com a Simone a gente até aguente todo ano, mas propaganda eleitoral seria um porre). Eu particularmente gosto do período. São raras as ocasiões que temos para parar e discutir o futuro, e as eleições são uma dessas ocasiões. Nessa época, todo mundo tem a chance de olhar um pouco mais para os problemas que os afligem, e cobrar soluções e, é claro, participar do processo para escolher a melhor opção.

Assim como em uma grande ceia de natal, cada um leva os seus pratos doces e salgados. Nem todos serão degustados, alguns serão mais ou menos apreciados. Uma parte considerável vai pra geladeira até ser requentado na próxima campanha de risoto de ano novo ou sanduíche de peru congelado de carnaval. Um pouco vai pro lixo, infelizmente. Ou felizmente. Alguns pratos são tão ruins que as pessoas deviam ter vergonha de compartilhar, tipo aquele salpicão azedo que sua tia-avó faz seguindo a mesma receita desde 1964. Mas é é só esperar a velha virar as costas e jogar fora.

A ceia ideal, pra mim, é aquela onde compartilhamos os bons pratos, experimentamos pratos novos, trocamos receitas e, quem sabe, aprendemos algo para o ano que vem. Para um jovem, provar o panetone pode ser importante para compreender conceitos fundadores da nossa civilização e costumes. Para os mais velhos, aventura-se na inovação gastronômica dos mais diversos CTRGD-tones e conhecer suas histórias, suas idiossincrasias e sabores pode ser muito importante para que compreendam a sua importância para a celebração da diversidade, da liberdade e do amor (pela comida).

Garanta seu lugar na mesa, com seu docinho decorado ou não, conquiste pelo sabor e pelo cheiro, mas lembre-se de não se pode enfiar nada “guela abaixo” de ninguém. Imagina se os amantes de panetone começam a criar regras para a ceia? Proibindo doces que não sigam estritamente os receituários sagrados de Tone? Pior: Imagina se todos fossem obrigados a financiar para ceia, com seu próprio dinheiro, um doce que não gostam, e nem comem?

Seu tio panetonarista pode ser um mala, mas ele deve ter lá suas razões. Ou não. Mas o ponto é: O direito dele comer panetone não pode ser sobrepor ao seu de comer chocotone, ou qualquer outro tipo de doce livremente inspirado nesse, certo? Esse ano, vamos compor uma ceia diversa, com respeito pelas diferenças e pelo lugar de cada pão a mesa, mas que fique claro: Todo mundo pode levar doce, todo mundo pode experimentar. Vence o melhor, mas se ele der dor de barriga em quem comer, quem levou se responsabiliza pela… desconforto, ok? Não adianta falar que levou bolo de laranja pra fugir do mico, hein?

Eu, particularmente, levo chocotone. Eu acho mais progressista, mais contemporâneo… E o chocolate tem toda uma relação com o cacau e os povos da américa latina que me enchem de orgulho. Uma coisa de pertencimento e luta mesmo sabe? Já ouvi muita gente dizer “Quer cacau? Vai pra Venezuela!”, mas eu não acho que o cacau deles seja assim tão bom. Prefiro uma coisa assim mais made em Brasil, sabe? Além disso, a cor do chocolate é linda.

Confira mais textos do colunista: www.socialbauru.com.br/author/eugeniomira.

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