— Oi. 

(Ela está olhando para mim. Eu olho para ela também. São tantas coisas. Aqui, entre mim e ela, o mundo. O nosso. Nós e o mundo. Será que as coisas se lembram da gente como a gente se lembra delas? Talvez eu esteja me perguntando isso há uma semana, diariamente, lembrando, ao coar o café. O café lembra? A garrafa térmica está ciente de tudo isso? Ela sente falta? Falta. Do toque, de sua abertura, da água quente escorrendo antes de mais nada, do coador posicionado por cima, do simples e frágil filtro de papel (agora, dobrado) repousando sobre ela, do pó escuro e cheiroso, da explosão de sentimentos que é o encontro da água quente, o pó, o filtro e o coador em sua superfície? O cheiro. Ela está ciente. As coisas sabem. E talvez, realmente, sintam falta. As coisas sentem. Sentem-se, por favor, todas as coisas, eu estou lembrando. Eu não me conformo, nunca. Eu me assusto. Ando assustado. O encontro, ao meu ver, é arrebatador. Sempre. Penso no X-Frango que comemos na lanchonete, foi ideia sua. Uma ideia brilhante. Voltávamos de Pardinho. Há quanto tempo eu não visitava aquela lanchonete… Milênios! A sensação foi essa. Pisar em solo sagrado. Astronautas desbravando um planeta remoto. Planeta Lanche. Estou encucado com o frango. Até hoje. Por que aquele frango, nascido não sei em qual terra? O frango: nossa testemunha. Quantos milhos? Quantas sonecas? Quantos cacarejos? Quantas bicadas? Quantos eventos até chegar àquela mordida. Aquele X-Frango acompanhado de uma coca-cola e batatas smile. Nunca me conformarei. Porque tenho plena sensação que o meu destino, o seu e o do frango, desde nossos nascimentos, já estavam reservados para aquele dia. Sim. Possivelmente você dê risada ou ache graça de tais fatos. Me ache um doido. Mas nunca me conformarei! Enquanto eu acordo, respiro e vou dormir, estou inconformado. Assustado com o encontro. Arrebatado. Questiono como ainda não vimos o mar, a sós. O mar. Bauru não tem mar. E nós também não temos. Uma semelhança? Tenho sentido uma vontade tremenda de escrever uma carta, ao estilo de um pergaminho antigo, cujo papel terá três metros de comprimento. Vou enrolá-lo. Enfiá-lo em uma garrafa de vidro e jogá-lo ao mar. Qual mar? Ainda não pensei. O mar de Bauru. Vou escrever, entre palavras e espaços de respiro, como estou assustado com a nossa conformidade sobre o mar. Por que estamos tão acostumados a conviver com ele? Essa zona fronteiriça, esse território perigoso, esse recinto do sentir, esse limiar… Nunca basta. Tenho algumas perguntas. Por que não estamos habituados a outros costumes com mar, que não o banho? Por que não trocamos o dia pela noite? Por que não esvaziamos o mar, com baldes e copos de vidro? Por que não tentamos transportá-lo para dentro de nossas casas? Por que nunca dormimos no mar? Por que não construímos a nossa casa dentro do mar? Por que ainda não passamos a frequentá-lo apenas ao luar? Cadeiras enfileiradas, tudo escuro, nada de guarda-sóis. Por que nunca nos reunimos com milhares de pessoas para medir o mar? Por que nunca fizemos um abraço coletivo para com ele? Por que não testamos quantos conseguem ficar dentro do mar simultaneamente? Qual foi a última vez que você se confessou para o mar? O mar. É para não se acostumar. Quando eu terminar essa carta, te mando antes de enviar. Enrolada na garrafa. Bauru ainda não tem mar. Talvez um dia tenha. Eu acredito piamente. Bauru com um marzão ou um marzinho, tanto faz. Vamos ler no guia de turismo: visite Bauru e suas praias. O cais de Bauru. Embarcações considerarão Bauru no mapa. Comeremos mais frutos do mar. Novas profissões, novos hábitos, novas economias. Novas conchas. Bauru, eu estou pronto. As coisas nascem prontas. Eu sinto, você sente, elas sentem. Tudo. Às quinze para seis da tarde). 

— Oi, respondeu Nara.

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