“Gastronomia não é só técnica. Você pode até dominar a técnica A, B ou C, mas precisa ter carinho ao fazer os pratos. Porque esse trabalho é um serviço de amor. Quem quer trabalhar sábado, domingo e feriado, enquanto está todo mundo na praia? Você está dedicando a vida para servir as pessoas”.

Quem ouve o relato na voz gentil do chef Mansour El Asmar, criador do Al Dar, restaurante libanês no Centro de Bauru, não imagina que a gastronomia não estava nos planos de vida e só surgiu por conta da guerra no Líbano.

Apesar de já começar a trabalhar na cozinha aos 14 anos, em uma pâtisserie na rua de casa, Mansour via a área mais como passatempo do que como uma carreira.

“Meu foco era engenharia ou medicina. Só que a faculdade com esses cursos ficava em uma linha vermelha da guerra. Eu podia ir e não voltar. O único curso possível perto de casa era gastronomia”, revela.

Líbano, Paris e Brasil

Se inicialmente o libanês não queria a gastronomia, a faculdade fez com que a cozinha virasse paixão. Tanto que ele se dedicou à graduação a ponto de ganhar uma bolsa e passar oito meses estudando em Paris.

Saindo do Líbano para fugir da guerra, ele veio ao Brasil em 1989, aos 20 anos de idade, e trabalhou em restaurantes no Rio de Janeiro. De volta à terra natal em 1994, Mansour inicia uma trajetória de quase 20 anos no país, que inclui abrir o restaurante Sucre e Sale em Beirute, dirigir o Cinq (onde chegou a atender primeiros-ministros de países como a Rússia), trabalhar no Sodexo e ter uma empresa de catering que atendia o Starbucks do Líbano.

O auge da carreira no país natal, indica o chef, foi no Waves Aqua Park, um resort cinco estrelas. Mansour comandava uma equipe de 75 pessoas e tinha orçamento para cozinhar qualquer prato possível, pensar receitas “fora da caixa”, trazer ingredientes de outros países e investir em apresentação.

“Eu lembro de uma festa de uma faculdade americana que durou mais de 12 horas e teve 1,8 mil convidados. Me marcou! Fizemos uma mesa com mais de 30 tipos de doces, com opções árabes, francesas e italianas”, conta.

Como surgiu o Al Dar?

Em 2009, o chef mudou-se para o Brasil. Foram três meses em Presidente Prudente, antes de vir morar em Bauru para atuar em restaurantes da cidade.

No dia 13 de março de 2012, ele e a esposa, Sawsan El Asmar, inauguraram o Al Dar, com especialidades do Mansour (carneiro com espinafre e vinagre balsâmico; e magret de canard; entre outros), mesa variada de pratos árabes, comida à vontade por R$ 29,90 (preço da época) e eventos de dança do ventre para trazer um pouco do Líbano para Bauru.

Doze anos e um mês depois, o Al Dar mudou, agora vende por quilo, mas segue com a força da comida árabe, resultado das experiências de Mansour e do desejo de explorar a criatividade e técnicas de diferentes culinárias.

Por isso, o restaurante não foca apenas na comida árabe, oferecendo também churrasco grego, pratos franceses, massa (às quintas, com 34 combinações) e até a feijoada (que ele aprendeu a fazer em um restaurante mineiro no Rio de Janeiro).

Toda essa mistura, sem esquecer da marca do Al Dar: o tempero “jamaica”, como ele enfatiza. “É como uma pimenta doce, sabe? Que dá um sabor muito gostoso. E é tempero fresco. Não se compra no mercado. É o mesmo que se usa no Líbano, mudando só um pouco. Cada prato tem o próprio tempero e jeito de fazer, mas o jamaica não deixa de ser a marca da nossa história”, acrescenta.

O motivo de vir ao Brasil? Amor

E porque Mansour trocou a carreira bem-sucedida no Líbano, há 15 anos, para uma aventura no interior de São Paulo? A resposta: fugir do país natal com a esposa, devido a conflitos religiosos.

A família dele é católica maronita, enquanto a de Sawsan é muçulmana. Mais do que uma proibição de casamento entre as duas crenças, os dois podiam ser perseguidos, segundo relatos do chef.

Essa cisão não impediu os dois de ficarem juntos em 2006 e, em 2009, decidirem se casar. Para isso, Mansour e Sawsan tiveram que realizar a cerimônia no Chipre e voltar como se nada tivesse acontecido. “Fizemos a festa, depois voltamos e cada um foi para a sua casa dormir”, relembra.

Dois dias depois, para realmente iniciarem o casamento, eles tiveram que fugir por um trajeto que incluía Paris, Itália e Brasil para despistar os familiares.

Ligação entre Bauru e o Líbano

Hoje em dia, com o país mais aberto às questões de casamento, Mansour e Sawsan costumam visitar o Líbano. Ainda assim, voltar ao país natal não é um desejo deles, já adaptados aos costumes de Bauru e próximos à forte comunidade libanesa da cidade.

Até mesmo porque o Brasil e o Líbano têm similaridades. “Aqui no Brasil parece que você está no Líbano! Existe uma hospitalidade e um gosto pela conversa”, relata. “E ainda mais na cozinha! As pessoas fofocam enquanto cortam a abobrinha, cozinham, cuidam da casa, etc. (risos). E aí depois senta todo mundo em uma grande mesa para conversar e comer. É aquele almoço gostoso de domingo com a família”, conclui.

Não à toa, Mansour escolheu, para a nossa conversa, a maior mesa do Al Dar – que aliás foi a primeira compra do restaurante. Além de demonstrar o afeto do casal libanês pelos brasileiros, representa também como uma das ligações entre os dois países é o sentimento de que a gastronomia é o amor pelas pessoas.

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