Desde pequeno, Rodrigo Trovarelli (38) procurou independência. E foi na cozinha que o bauruense encontrou uma forma de conquistá-la. Aprendeu a cozinhar dentro de casa e, fazendo churrasco para amigos, começou a relação entre comida e emancipação financeira. O primeiro prato de sucesso? Um cupim recheado com provolone.

“Rolava cupim para 200 pessoas! Era uma tour, porque o cupim ficava marinando no dia anterior, começava às 10h da manhã e servia só meia noite”, lembra.

As ocasiões colecionavam elogios ao aspirante a cozinheiro. O ano era 2006. O cupim de Trovarelli se consolidou como o primeiro prato da carreira de quem, mais tarde, tornaria-se um chef, mas um chef vegetariano.

Essa mudança no estilo de culinária – e de vida – começou graças às novas experiências do jovem. De índole “reflexiva e questionadora”, como ele mesmo pontua, ainda na casa dos 20 anos, o bauruense conheceu o Movimento Hare Krishna, associação religiosa, filosófica e cultural com base na doutrina hinduísta.

“Conheci o Movimento Hare Krishna, o yoga e fui estudar sobre o vegetarianismo e entendi que eu não precisava de carne para sobreviver. O fato de eu comer carne era um prazer, mas esse prazer afligia a outra entidade viva, que também era dotada de uma entidade espiritual, de uma personalidade, de emoções, de sentimentos”, conta. “Estudei também a questão de como nosso organismo funciona [ao digerir carne] e vi que, basicamente, comer carne em Bauru, que é muito quente, gera mais estresse para o corpo”, complementa sobre alguns dos fatores que o levaram a aderir ao vegetarianismo.

Foto: arquivo pessoal

No Movimento Hare Krishna, a alimentação é indissociável da representação do sagrado. A comida nutre o corpo, a alma e é uma oferta. Assim, segue uma dieta vegetariana, onde carne, peixes e ovos não entram no cardápio.

“De acordo com a literatura védica o hábito de comer requer o cumprimento de algumas normas, visto que o alimento não é preparado e consumido apenas com o propósito de satisfazer uma necessidade fisiológica ou para agradar o paladar e o olfato, mas acima de tudo para ser um oferecimento a deus”, informa a mestra em antropologia, Vanessa Moreira dos Santos, em artigo sobre a dieta lactovegetariana dos Hare Krishna.

Foto: arquivo pessoal

Pensando em seguir as práticas do movimento, Rodrigo mudou-se para um templo. Como missionário, não deixou de cozinhar e se expôs a inúmeras experiências. Foi do interior de São Paulo ao Paraguai vendendo livros e do Brasil para a Índia em busca de novas vivências. Confira a entrevista:

Foto: arquivo pessoal

– Como você foi parar na Índia?

Rodrigo Trovarelli: Eu estava há dois meses no templo e meu guru disse para eu ir para a Índia. Eu não tinha dinheiro, não tinha passaporte, eu não tinha nada. Mas dizem que quando o guru empodera tudo é possível. Tiro e queda. Em 15 dias eu tinha passaporte, visto e dinheiro. Quando cheguei lá, ele [o guru] sumiu. Tive que me virar sem falar inglês, foi maravilhoso! Eu estava em um lugar totalmente roots [do inglês raiz], caindo em golpe, passado mal… [risos] cada passatempo desse tem história!

– Como foi o período de adaptação?

RT: Primeiro foi um choque cultural intenso! Eu tive que me desconstruir e me renovar para amadurecer na arte da sobrevivência mesmo porque a Índia não é brincadeira não. A Índia é porreta!

– Como foram as experiências culturais na Índia?

RT: Tem os sabores que eu já conhecia do templo, mas ali foi vivenciar e experienciar tudo. Aproveitei bastante essa oportunidade. Quando voltei [para o Brasil] tinha uma pegada maior na cozinha por ter vivido mais com a cultura. Foram dois meses de peregrinação, imersão dentro da cultura e estudo. Mas um estudo mais da experiência, da vivência do local, de absorver a cultura, de ter oportunidade de experienciar algo que eu não conseguiria pelo livro ou algo do tipo.

Eu comi muito em refeitório coletivo lá e comia muito com as mãos. Tive a experiência da pimenta, quase vomitei. Tive uma intoxicação alimentar, quase morri.

– Experiência “da pimenta”?

RT: Sim! Eu estava em um templo em Calcutá, morrendo de fome, fui comer e a comida estava quente. Eu pedi “no pepper! no pepper” [do inglês “sem pimenta”]. O cara falou que não tinha. Como eu estava com muita fome, dei uma garfada e tava muito quente. Tinha uma pimenta verde gigante, que bateu no estômago e deu um refluxo. Não vomitei, mas senti minha cabeça pegando fogo! Eles me deram iogurte, foi bizarro! No dia seguinte, foi pior ainda! [risos].

Já tive intoxicação também. Comi num templo simples de rua e tive intoxicação. Muita diarréia, vômito, mas os remédios na Índia são incríveis, tomei uma pastilha e melhorei. Não sei como funciona, era tipo algo para intoxicação alimentar, tomei uma pastilha e resolvi. Também tive uma inflamação no dedo, porque chutei uma pedra. Passei uma pomada duas vezes e resolveu. A medicina deles é algo bem boa.

– Você ficou em grandes centros?

RT: A Índia tem uma cultura bem forte. Eu não fiquei em grandes centros, fui para vilarejos, para lugares sagrados a fim de conhecer a cultura. Tomei banho no Ganges, vi o pôr e o nascer do sol no Ganges, fui ao Rio Yamuna, e até para a praia na Índia, que tem uma curiosidade bem massa! Os indianos têm medo do mar. Conforme você entra no mar, os indianos começam a correr atrás de você, ficam te chamando para voltar. Acho que eles têm uma espécie de medo e respeito porque o mar é vivo. Eles têm um respeito e uma ligação muito grande com a natureza e à vida como algo integral. Não é igual a natureza para nós, ocidentais, onde a natureza é algo diferente de mim. Não. Ela faz parte e compõe a nossa vida. Nós também somos animais dentro de um ecossistema, dentro de um bioma. E a gente se esquece disso.

– Hoje em dia, você é vegetariano ou vegano?

Sou vegetariano porque acho que o veganismo é muito mais uma questão política. Eu não entraria nesse quadro pelos lugares que trabalho e também porque tenho que ter bastante respeito para utilizar esse nome “vegano”. Veganismo não é uma dieta.

Foto: arquivo pessoal

– Quais são suas inspirações da área?

RT: Neide Rigo, Valdeli Kinupe, Alain Passat, Helena Rizzo, Paola Carosella, Gosto muito do Fogaça [Henrique Fogaça], e Jacquin [Érick Jacquin] estou conhecendo agora… e minha vó! Minha vó é minha maior inspiração, a melhor cozinheira do mundo e ninguém bate ela! É a dona Leonor Filipe Trovarelli! Uma rainha poderosa de 93 anos de idade! Sou o que sou graças a ela. Tenho todo o ensinamento, a base que ela me deu. Uma pessoa muito forte e polêmica, “braba”. Mas que me ensinou valores e princípios que hoje quero passar para os meus filhos, principalmente com relação ao trabalho, honra, respeito, determinação, superação… ela é incrível!

– O que não pode faltar na sua cozinha?

RT: Como diz o Jacquin: Tompêro! [risos]. A minha cozinha é muito aromática, muito perfumada. Eu brinco muito com técnicas de azedo, salgado, doce, defumado, então, é uma cozinha com personalidade.

Quando eu tinha o restaurante [Balaio de Krishna], o Célio Losnak, professor da Unesp, grande amigo, ele falava que o Balaio era além de um restaurante, era um ponto de encontro e que a comida era uma explosão de sabores. Ele gostava de chegar para comer e que ele nunca sabia o que ia comer, mas ele nem perguntava por conta da explosão de sabores e por conta da surpresa!

Foto: arquivo pessoal

– Como é o ramo de restaurantes vegetarianos e veganos aqui?

RT: No interior tem bastante, a gente está crescendo. O ponto aqui é tornar sustentável esse negócio, porque é uma lógica de mercado diferente. Não é só baseada no lucro. Então, para você precificar e custear esses projetos, a dinâmica é diferente. Ele funciona meio como autofinanciamento pelo grupo. O restaurante fazia esse papel, mas ele virou apenas um restaurante depois. Então, com a dinâmica de alta de preços nos mercados e tudo mais, ele se tornou inviável. O grande desafio desses projetos [iniciativas agroecológicas, veganas e etc] é criar algo que banque ele para que o todo tenha o tempo necessário de maturação.

– Onde podemos comer sua comida?

RT: As pessoas podem apreciar minha comida dentro de espaços como o Guestier Residencial Boutique e no Voodoo Lounge Pub.

Foto: arquivo pessoal

– Falando nisso, como você avalia a gastronomia bauruense?

RT: Bauru tá que tá no cenário gastronômico! Tem uma escola boa. A Denise [Bologna] fez um trabalho muito bom enquanto professora, o Márcio Cardim também, toda equipe do Unisagrado, do IGA. Bauru tem boas escolas e bons restaurantes, mas é um pessoal que não fica no Instagram, fica na cozinha!

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